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Os preços e os subsídios agrícolas

por papinto, em 02.11.14

ARMANDO SEVINATE PINTO Público 02/11/2014 - 10:58

 

A viabilidade da actividade agrícola e a subsistência das famílias que trabalham no campo dependem de forma muito significativa dos preços e dos subsídios.

 

Os preços e os subsídios agrícolas sempre estiveram, e continuarão a estar, no centro das preocupações dos agricultores. É natural que assim seja. Deles depende a viabilidade das suas actividades e, quase sempre, os seus meios de subsistência e das suas famílias.

 

Como deles também depende a base do custo da alimentação e, por isso, o rendimento dos consumidores, é fácil depreender-se que se trata de um tema sob discussão pública permanente, com base em interesses antagónicos e em teorias divididas.

O caso português, antes e depois da adesão à CEE, é dos mais singulares dentro da União.

Quando Portugal pediu a adesão à CEE, em 1977, a maioria dos nossos preços agrícolas eram inferiores aos preços médios na Comunidade e os subsídios existentes eram, com algumas excepções, maioritariamente dirigidos aos consumidores, através do chamado “cabaz de compras”*.

Nove anos depois, quando aderimos, em 1986, os preços agrícolas em Portugal eram, quase todos, superiores, às vezes até muito superiores, aos da Comunidade. Não só porque se desmobilizaram alguns subsídios, mas também, a meu ver, principalmente, porque nessa altura a inflação interna subiu a níveis hoje impensáveis, superiores a 27%.

A entrada na CEE foi muito dolorosa para alguns sectores agrícolas, não só porque os seus preços foram progressivamente harmonizados com os preços europeus (reduzidos por tranches em função dos diferentes sistemas de transição), mas também porque a nossa entrada praticamente coincidiu com o início da descida dos preços europeus, visando a sua harmonização com os preços mundiais.

Os preços agrícolas em Portugal reduziram-se brutalmente em alguns sectores mais envolvidos com o sistema de preços da PAC (cereais, oleaginosas, carne de bovino e ovino…), o mesmo não tendo acontecido em outros sectores em que os apoios sempre foram menos dependentes do sistema de preços (frutas e legumes, por exemplo).

De facto, quando aderimos, todo o sistema de apoio ao rendimento da Politica Agrícola Comum (PAC) consistia numa protecção aduaneira do mercado interno, relativamente ao mercado mundial, através de taxas variáveis, que tinham por efeito a formação de preços bastante elevados aos agricultores comunitários. Dizia-se então que os subsídios estavam implícitos nos preços.

Este sistema durou ainda aproximadamente cinco anos, uma vez que, só em 1992, se deu a primeira reforma da PAC. Com essa reforma, os preços europeus iriam progressivamente reduzir-se, ainda que de forma significativa.

Em compensação, apenas parcial, foi instituído um sistema de ajudas directas aos agricultores, calculadas com base nas perdas teóricas de cada um em função das suas produtividades e da queda dos respectivos preços.

Durante cerca de uma década, os preços europeus aproximaram-se, ou igualaram, os do mercado mundial e as ajudas aos agricultores mantiveram-se “ligadas” à produção, isto é, eram pagas em função da quantidade produzida, dos hectares utilizados, ou do número de animais em produção.

Até que, em 2003, com o apoio da esquerda europeia, de uma larga parte da opinião pública e de muitos académicos europeus de renome, a maioria das ajudas ao rendimento foram “desligadas” da produção, apesar de serem calculadas com base em registos históricos, de cada país e de cada agricultor.

Finalmente, uma década depois, em 2014, com a presente reforma da PAC, já aprovada mas ainda dependente de algumas decisões internas, manteve-se e acentuou-se o sistema da reforma de 2003, agora submetido a um processo progressivo de harmonização dos montantes das ajudas (actualmente diferentes para cada sector, agricultor e Estado-membro), que será total no plano nacional mas ainda parcial no plano comunitário.

Entretanto, os preços agrícolas já se formam livremente no mercado interno, com fortíssima influência dos preços mundiais (conceito, a meu ver, significativamente subjectivo, quanto à sua formação e significado) e associados às suas flutuações.

O mesmo acontece com os preços/custos dos factores de produção agrícola, ainda que, por variadíssimas razões, também nem sempre lógicas e justificadas, se mantenham diferenças muito importantes, dentro e fora da União Europeia, tal como também se verifica com os custos do trabalho.

O que penso eu de toda esta evolução? Penso que o resultado está à vista e não é muito animador, uma vez que os preços agrícolas nunca foram tão incertos (voláteis, como agora se diz).

Nunca escondi o meu apego ao regime europeu original e inúmeras vezes o tornei público, ainda que sem a mínima esperança de que este fosse recuperado. Era notável o seu efeito estabilizador, retirando aos agricultores algum risco da sua actividade que, pela sua própria natureza, já tem riscos que chegam e sobram.

Fui contra a linha de reformas iniciada em 1992, sendo nessa altura director na Comissão Europeia, quer pela perda de estabilidade do sistema de preços europeu, quer porque me pareceu que, essa reforma, seria a preparação da supressão total dos subsídios à agricultura.

Fui contra o “desligamento” das ajudas na reforma de 2003, exactamente quando era ministro da Agricultura. Bati-me contra essa solução e votei contra a reforma por falta de contrapartidas, mas estive sempre pouco acompanhado. Agora já não seria assim porque as evidências têm muita força.

Na minha opinião, o passo final, o da supressão das ajudas, só não foi ainda dado porque a crise alimentar de 2008/9, veio alterar muitos dos argumentos usados para a justificar essa opção. As opiniões públicas, e os políticos que as interpretam, deram conta do enorme risco que isso acarretaria.

Finalmente, embora subsistam alguns importantíssimos apoios aos agricultores, o mercado liberalizado está aí e, com ele, a volatilidade dos preços. Os preços flutuam como nunca antes tinha acontecido e o mercado mundial exibe as suas imperfeições. O nível de risco é cada vez maior, numa actividade, que pela sua própria natureza, já está rodeada de riscos.

A PAC continua a ser indispensável. Tem defeitos, mas muito menores do que os seus detractores querem fazer crer. O grande problema não é da PAC, mas da falta dela em matéria de preços e da sua substituição pelo mercado mundial de cujo bom funcionamento sempre duvidei. De facto, as suas variações não param de nos surpreender. Nas últimas duas campanhas, por exemplo, o preço do milho reduziu-se quase para metade

Finalmente, para que se perceba melhor a necessidade dos subsídios, de que tanta gente discorda, dou apenas mais um exemplo que deixo à reflexão dos leitores. Há 28 anos, quando entrámos na CEE, o preço do trigo aos produtores portugueses era de 55 Escudos por kg. Actualmente, o preço pago aos produtores anda em torno de 15 cêntimos por kg (30 escudos)! Se em vez de preços correntes, comparássemos preços reais, então teríamos que multiplicar os 55 Esc. por 3,86 (tendo em conta a evolução do Índice de Preços Implícito no PIB, desde 1986), o que daria mais de 212 Esc., isto é, sete vezes mais do que o preço actual!

Percebe-se agora melhor a justificação dos subsídios? Espero sinceramente que sim.

 

*Sistema de fixação administrativa dos preços do pão, do leite e de muitos outros produtos e factores de produção, subsidiados através do “Fundo de Abastecimento”

Engenheiro agrónomo (ISA)

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ARMANDO SEVINATE PINTO
Público 30/08/2014 - 15:52

 

Não é difícil imaginar-se quais os objectivos principais que deveriam estar associados às políticas agrícolas, numa perspectiva meramente nacional.

A forma mais sintética de o dizer será que as políticas agrícolas devem contribuir para o desenvolvimento da agricultura (entendida como agricultura, floresta e agro-indústria), de forma sustentável, viável e durável, em todo o território nacional.

Até aqui, tudo fácil e talvez até consensual.

Mesmo aqueles que gostam do detalhe e de intermináveis listas de objectivos associados a qualquer política encontrarão nesta fórmula a abrangência suficiente para cobrir os seus desejos.

O problema é como organizar os meios e os instrumentos para atingir, na prática, aqueles objectivos.

A primeira, e talvez a maior dificuldade, é que os agricultores (estou sempre a pensar em Portugal) não são todos iguais e estão muito longe de o serem. São todos importantes. Contudo, têm estruturas diferentes, meios diferentes, conhecimentos diferentes, necessidades e objectivos diferentes.

Uns são pequenos e muito pequenos agricultores que visam a subsistência; outros são agricultores de pequena ou de média dimensão que exercem a actividade apenas com a ajuda da sua família, já com alguma orientação para o mercado; outros são agricultores de média e/ou grande dimensão, organizados em termos empresariais; outros são grandes agricultores, ou sociedades, muitas vezes multinacionais, orientados exclusivamente para o mercado, às vezes apenas para o mercado externo.

Para se ter uma ideia da realidade em presença, vejamos apenas o número e a dimensão física das 304 000 explorações recenseadas, relativamente ao total da Superfície Agrícola Utilizada (SAU) que é de 3,7 milhões de hectares:

21% das explorações têm menos de 1 ha e ocupam 1% da SAU; 54% têm de 1 a 5 ha e 9,9% da SAU; 17,1 % têm entre 5 e 20 ha e 13,4% da SAU; 5,2% têm entre 20 e 100 ha e 18,1% da SAU; 1,9% têm entre 100 e 1000 ha e ocupam 45,7% da SAU; 0,1% têm mais de 1000 ha e ocupam 12% da SAU.

Enquanto a uns interessa sobretudo o custo dos factores de produção, porque consomem o que produzem, a outros interessam também os preços a que podem vender os seus produtos, bem como financiar os seus investimentos, e a outros também os câmbios e as condições dos mercados para onde podem exportar os seus produtos.

Naturalmente que uns trabalham directamente a terra, outros gerem aparelhos produtivos, mais ou menos complexos, enquanto outros o fazem muito indirectamente, ou até muito longinquamente, exclusivamente preocupados pela remuneração dos capitais investidos. Também há meros proprietários de terra que gostam de se dizer agricultores, sem verdadeiramente o serem.

A sua importância, no contexto das políticas agrícolas, existe apenas na medida em que ponham os meios de produção, de que são proprietários, à disposição de outros que deles possam criar valor e utilidade social.

Como será então possível gerir este conjunto muito heterogéneo de condições e de interesses, em benefício do país?

Isto é, com a melhor relação custo/ benefício público possível, tendo naturalmente em conta as realidades económicas, sociais e ambientais, de cada região?

A meu ver, nunca com uma política única, monolítica, igual para todos.

Mas sim com um conjunto de instrumentos e de acções que tenha em conta a diversidade em presença, no pressuposto, que partilho, de que todas as realidades antes mencionadas são importantes para que os objectivos possam ser alcançados.

Esse conjunto ideal é hoje possível, tendo em conta os fortes apoios europeus, a que se deve juntar a vontade política de os completar com recursos nacionais, sempre que os primeiros revelem limitações para fazer face às nossas necessidades especificas.

Não se pode ignorar os grandes agricultores, no pressuposto de que estes disporão dos meios suficientes para dispensar o apoio público, tal como não se pode ignorar os pequenos e muito pequenos agricultores, economicamente muito frágeis, desconhecendo a sua enorme importância no tecido socioeconómico de muitas regiões, onde exercem, muitas vezes, funções essenciais não remuneradas pelo mercado.

Contudo, entre uns e outros, poucos interesses serão comuns.

Enquanto aos primeiros interessa sobretudo que o Estado não dificulte, que a burocracia não atrapalhe e que haja apoio aos investimentos (que, em alguns casos, deveria ser quantitativamente limitado, porque desnecessário), aos segundos interessa sobretudo os subsídios ao rendimento, que haja serviços de proximidade que os apoiem, que haja Segurança Social que os seus fracos rendimentos não podem pagar e que não os embrulhem em inexplicáveis sistemas fiscais para venderem nas feiras “dois molhos de couve”.

Entre uns e outros, há uma enorme massa de agricultores activos cuja existência é vital para o nosso desenvolvimento. São agricultores empresários, que não podem dispensar, quer os apoios ao rendimento, quer os apoios aos investimentos, uns e outros funcionando com eficácia e previsibilidade.

Além disso, para eles, que deverão constituir um dos alvos principais das políticas, é vital a existência de enquadramentos associativos dinâmicos, de uma investigação actualizada e pragmaticamente orientada, bem como de um sistema público que produza e disponibilize conhecimento técnico.

Por outro lado, esses agricultores suportam bastante mal os sobrecustos, quer dos equipamentos, quer de alguns factores de produção, que não podem dispensar, bem como as dificuldades em encontrar quem esteja disponível e disposto a trabalhar na agricultura. Este último aspecto é agravado pela quase inexistência de prestadores de serviço, eficientes e profissionais, que, em Portugal, nunca foram objecto de consideração ou de apoio público directo. Como em política e em economia, também conta a distribuição dos meios públicos ao seu serviço, essa distribuição, tem de ser justa, isto é, deve ser proporcional aos objectivos correspondentes ao interesse nacional e deve resultar de um debate aberto, e fundamentado, com representantes de todos os interesses. Infelizmente, ainda existem em Portugal dirigentes associativos, sem actividade agrícola conhecida, que reivindicam sem justificar e, pior ainda, se põem propositadamente fora do debate, não fosse um eventual acordo manchar-lhes o prestígio de litigantes compulsivos. Preferem, por isso, os insultos públicos dirigidos a quem com eles deveria dialogar.

É estranho que assim consigam manter os empregos, prestando sempre um péssimo serviço àqueles que ilusoriamente se julgam bem representados.

Engenheiro agrónomo (ISA)

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A Agricultura e a Integração Europeia

por papinto, em 10.05.14

SEVINATE PINTO Público 10/05/2014 - 18:05

 

Ao longo dos 37 anos que já passaram, desde que o assunto da CEE nos entrou diariamente em casa (9 de negociações e 28 de integração), tenho-me questionado muitas vezes, tal como certamente tem acontecido a muitos agricultores, sobre como estaria a nossa agricultura, se não tivesse sido a nossa integração na CEE, em 1986.

Outra questão, próxima mas não igual à anterior, sobre a qual reflito há muitos anos, é a do impacto que tem tido a Politica Agrícola Comum (PAC) sobre a nossa agricultura.

Quanto à primeira questão, nem eu, nem ninguém, conseguirá responder. O máximo que se pode fazer é especular, com base naquilo que era a nossa agricultura antes da adesão. Uma agricultura que os mais novos não conheceram e que alguns dos mais velhos têm tendência a memorizar de forma idealizada.

Tenho obrigação de a ter conhecido razoavelmente bem, quer pela minha idade e origens, quer porque, à época, tinha responsabilidades de chefia no Gabinete de Planeamento do Ministério da Agricultura. Nessa qualidade, participei ativamente nas negociações para a adesão e num exaustivo “exame sectorial” que ultrapassou em rigor e atualidade o que as estatísticas da época registavam, normalmente, com cinco anos de atraso.

Portugal tinha, de facto, com raríssimas exceções, uma agricultura estagnada, várias décadas atrasada relativamente ao resto da Europa comunitária. Protegida do exterior e muito pouco competitiva, com gravíssimas condicionantes estruturais, fundiárias, empresariais e organizacionais, arrastava-se, sem expectativa de futuro. O enquadramento administrativo era frágil e tecnicamente impreparado, o ensino e a investigação tinham parado no tempo. O enquadramento económico era estatizante, altamente burocrático, servido por um complexo sistema de preços, aos produtos agrícolas e aos fatores de produção, bem como de subsídios ao consumo, controlados por uma rede de Organismos Públicos de Coordenação Económica que também mantinham exclusivos comerciais, incluindo de comércio externo (nos cereais, azeite e oleaginosas, produtos pecuários, vinho, frutas e hortícolas).

Era uma agricultura, ainda largamente camponesa, com centenas de milhares de agricultores pobres, vivendo miseravelmente, com poucas explorações/empresas de média e grande dimensão, raramente modernas e tecnicamente desenvolvidas, muitas das quais ainda feridas por uma reforma agrária recente que as tinha desorganizado e, em muitos casos, destruído.

Quando negociámos a adesão, por várias vezes sentimos que os nossos interlocutores tinham dificuldade em acreditar na descrição que lhes era feita. Portugal tinha, sobretudo na fase final da negociação, preços agrícolas substancialmente mais elevados do que os dos países da comunidade[1] e produtividades físicas, em alguns casos, inferiores a um terço da média Comunitária.

Voltando à questão sobre o que teria acontecido sem a integração na CEE, na minha opinião, ou Portugal se mantinha fechado, isolado do mundo, com uma agricultura medieval, sobrevivendo artificialmente, em função de meios públicos que seriam cada vez mais raros, ou nos abríamos ao mundo, sem condições que nos permitissem manter altos níveis de apoio público e a nossa agricultura não resistiria a uma confrontação direta no mercado mundial, transformando-se, rapidamente numa reminiscência estatística. Os portugueses pagariam muito caro por essas alternativas.

Quanto à segunda questão, a da avaliação do impacto da nossa adesão, muita coisa tem sido dita, muitas vezes sem a mínima relação com a realidade.

A verdade é que Portugal resistiu e tem desenvolvido o sector agrícola, agro-industrial e florestal, que está, globalmente, mais forte, mais apoiado, mais moderno e competitivo. Chegou-se, aliás, ao ponto do segmento agro-industrial, o mais apoiado pelas ajudas ao investimento, ser hoje o mais importante da indústria transformadora.  

Nada disso teria acontecido sem o apoio europeu, que há 28 anos nos paga a 100% os subsídios agrícolas ao rendimento (cerca de 580 milhões de Euros/ano) e sem os 7 sucessivos programas plurianuais de apoio ao Desenvolvimento Rural (cerca de 600 milhões de Euros/ano), que nos têm assegurado o imprescindível apoio à renovação e modernização das nossas infra-estruturas e do nosso aparelho produtivo.

Sem o apoio da PAC, não teria sido possível chegar aos dias de hoje com mais de 80% de auto-suficiência alimentar (em valor)[2] e exportar mais de 4200 milhões de euros em produtos alimentares de base agrícola e 3800 milhões de euros em produtos florestais, o que, em conjunto, representa 16,8% das nossa exportações. Também não nos seria possível instalar cerca de 250 novos jovens agricultores por mês.

De facto, posso não conhecer tudo o que se passa na nossa agricultura, mas não conheço nenhuma adega, nem nenhum lagar de azeite com alguma importância que não tenha sido feito com um fortíssimo apoio financeiro da PAC.

Também não conheço nenhum matadouro, indústria de leite e lacticínios, estação fruteira, estufa, barragem, olival, vinha ou pomar moderno, secador, armazém, estradas rurais, sistemas de rega, de eletrificação, turismo rural, instalações de associações, povoamentos florestais, instalações agro-industriais, fábricas de cortiça e todo o tipo de infra-estruturas, que tenha sido feito sem o forte apoio da UE.

Não conheço igualmente ações de proteção do ambiente e de preservação da biodiversidade, que não sejam financiadas pela UE e pela PAC

Pode-se dizer que tudo é bom na PAC? Que não há injustiças e iniquidades? Que não há sectores e agricultores em má situação?

Claro que não! Contudo, mesmo no que se refere à política de preços e mercados - a componente que é mais contestada - é preciso não esquecer que o que está em causa não é a PAC mas o modo de funcionamento dos mercados mundiais e da globalização, que é normalmente defendido exatamente por aqueles que mais criticam a PAC por ela apoiar o rendimento dos agricultores.

Considerar-se a PAC como a grande responsável por aquilo que se diz ser o “descalabro da agricultura portuguesa”, o que está longe de ser uma realidade, não deixa de ser uma patetice sem nenhum fundamento, dito por ingenuidade, ou por falta de informação, mas que, infelizmente, vemos frequentemente repetido na comunicação social.

 

[1] O que não era o caso, bem pelo contrário, quando, em 1977, pedimos a adesão

 

[2] Ver DESTAQUE do INE de 2 de Abril de 2013 sobre “Abastecimento Alimentar em Portugal”

 

Ver “Autossuficiência Alimentar: Mitos e Realidades” - Comunicação do Prof. Francisco Avillez no Ciclo de Conferências: O futuro da alimentação - ambiente, saúde e economia, da Fundação Calouste Gulbenkian, em Junho de 2012.

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Público, 2012.03.25

A meta da auto-suficiência alimentar é improvável e a palavra de ordem deve ser o aumento das exportações. De quê? De produtos onde o país é competitivo, como os da floresta, diz Francisco Avillez. Sobre o futuro, considera que a proposta em aberto para o futuro da PAC é boa, mas avisa: o nivelamento dos subsídios entre regiões e produtores pode ser explosivo. PorLurdes Ferreira e Manuel Carvalho


Francisco Avillez, 67 anos, é um dos mais conceituados economistas agrários do país. Os seus estudos e reflexões sobre as influências da Política Agrícola Comum (PAC) e os seus efeitos na evolução do mundo rural português foram determinantes para a formulação das políticas nacionais nos últimos 25 anos.

O compromisso com a troika levou o Governo a manifestar a necessidade de reduzir o défice de 2500 milhões/ano na balança alimentar, com a promessa de que vamos ser auto-suficientes dentro de sete a oito anos. Como vê estas metas?

Podemos aumentar de forma significativa o que exportamos e em alguns casos substituir importações. Tenho a maior das dúvidas em relação à questão da auto-suficiência. Há sectores onde produzimos mais do que consumimos e exportamos: vinho e concentrado de tomate. Há sectores em que não estamos muito longe da auto-suficiência e há outros em que temos um grau de auto-abastecimento muito baixo e que nunca deixará de ser assim, porque não temos condições para competir nessas áreas. É o caso dos cereais e das oleaginosas.

Que condições são essas?

Não temos solos, nem clima, nem dimensão nem know-how técnico. Conseguir uma auto-suficiência ao fim de X anos é uma boa intenção. Teria preferido que a ministra e o secretário de Estado, que foi meu aluno, pensassem que o importante é fazer crescer o valor acrescentado nacional através de um aumento das exportações e redução das importações. Porque é esse o objectivo, em termos gerais.

E é possível chegarmos a um saldo nulo entre as nossas importações e exportações?

Tenho dúvidas. Neste momento, temos um grau de auto- -aprovisionamento de 70%, mas temos toda a parte dos cereais, onde muito dificilmente vamos conseguir. A única maneira de incentivar a produção é apoiar o investimento e o crescimento da produção em valor.

Está optimista em relação a aumento do valor acrescentado? O último balanço do INE, relativo a 2011, diz que mais uma vez o sector perdeu valor. Há a ideia de que os agricultores deixaram de produzir porque viveram à custa dos subsídios. Pelo retrato que faz, essa visão é um pouco injusta.

Completamente. Não quer dizer que não houvesse situações dessas. O que me parece fundamental é que, ao manterem-se apoios para uma determinada superfície elegível, não tem sentido insistir em fazer lá trigo ou milho se houver custos de produção acima dos preços do mercado. Deve-se é desenvolver um conjunto de acções práticas que contribuam para o combate à erosão, a melhoria da fertilidade dos solos e da sua estrutura, de maneira a aumentar a retenção de água. Portanto, um conjunto de aspectos que vão ser bastante importantes daqui a uns anos se, por razões que se prendem com calamidades internacionais, tivermos de utilizar os solos que neste momento deixam de ser utilizados. Devíamos ter um conjunto de recursos de terra, solo, conhecimentos, capacidades que deveríamos apoiar porque podem ser extremamente importantes a prazo.

Notou algo de novo neste Governo em relação à agricultura?

Há aqui duas coisas. Uma é o que os produtores sentem em termos de disponibilidade e interesse. Tivemos ministros disponíveis e com boa relação com os agricultores, como com o António Serrano. A actual ministra tem sido um pouco isso. Tem grande capacidade de comunicação com os agricultores. O problema é ver o que acontece em termos práticos. Gosto desta ministra - é amiga dos meus filhos, nunca me tinha passado pela cabeça que seria ministra da Agricultura e provavelmente a ela também não -, tem um discurso articulado. Mas há coisas que começam a ser complicadas e que derivam do facto de ter ficado com aquele ministério.

Disse há pouco que não há dinheiro. Isso é um problema para um ministério que funciona como uma agência distribuidora de dinheiro?

Em termos do Ministério da Agricultura não é tanto assim. Nos contactos que tive com outros ministérios, apercebi-me de que há interesses mais sólidos. No Ministério da Economia, quando foi o caso dos biocombustíveis, eu não tinha as menores dúvidas de que aquilo nunca se iria resolver por causa da Galp. Foi um assunto que me atormentou, e muito. Na parte do Ministério da Agricultura não há esse género de coisas. Pode haver às vezes umas ideias preconcebidas. Por exemplo, relativamente a uma questão que eu acho que tem de ser discutida, que é a possibilidade de muitas áreas irrigáveis mas que não têm rentabilidade com a produção vegetal normal poderem ser ocupadas com floresta de crescimento rápido. Isto para alguns sectores do Ministério da Agricultura é completamente odiado. O que tem de ser objectivo é produzir aquilo no que somos capazes de competir e preservar os recursos para se forem necessários mais tarde. Por exemplo, a Portucel e a Soporcel vão precisar dessas áreas, porque neste momento estão a importar uma quantidade enorme de madeira do Brasil. Há todos aqueles condicionantes que são inteiramente justos, no sentido de evitar que a floresta de crescimento rápido tenha uma interferência negativa nos recursos hídricos. A certa altura fez-se um erro enorme - e fez-se porque os preços da pasta eram muito elevados -, que foi fazer eucaliptais em zonas que eram um disparate em termos ambientais, mas que também se transformaram num disparate em termos económicos. Agora mais ninguém voltará a fazer isso. Temos de fazer as contas com cuidado: se nós precisamos de aumentar as exportações, este é um sector decisivo.

Nesta discussão, onde é que cabe a sustentação do interior e do mundo rural português?

De facto, o discurso do mundo rural desapareceu. A maior parte do nosso mundo rural hoje em dia já depende muito pouco da agricultura e dependerá ainda menos no futuro. Sempre que acabam as escolas ou os centros de saúde está-se a contribuir para que haja menos condições para as pessoas se manterem lá. Isto é se calhar mais decisivo do que a política agrícola. Não é muito fácil resolver esta questão.

O Governo quer avançar com um cadastro e a entrega de terras abandonadas. Concorda?

O cadastro é decisivo, nomeadamente nas áreas florestais. Não há maneira nenhuma de resolver o problema dos fogos sem conhecer um bocadinho melhor o território. Aproveitar áreas abandonadas, nomeadamente as que são do Estado, e eu não sei quais são, acho que é uma boa ideia. Não sei quais são os resultados práticos disso. O retomar a actividade agrícola, de que toda a gente fala, mostra que muitas vezes o que existe é uma ideia quase romântica do que é a agricultura. Depois, há o choque com a realidade. Depois de passarem lá algum tempo, apercebem-se de que aquilo é muito mais duro, excepto em sectores específicos - como as plantas ornamentais. Mas isso significa ocupar áreas muito reduzidas.

Está a falar das terras do Estado ou das terras abandonadas?

As terras abandonadas em princípio são de alguém. O meu problema é sobre o que se diz que é abandonado. E vamos lá instalar quem, já que por norma são áreas muito pobres? Este tipo de iniciativas politicamente são interessantes, mas a grande questão é que não temos instrumentos para as viabilizar. Produzir em zonas pobres não tem qualquer racionalidade económica.

Como considera a proposta da Comissão Europeia para a próxima reforma da PAC?

A proposta é globalmente boa para Portugal. Vai haver um modelo de convergência que vai favorecer aqueles Estados--membros que beneficiam à partida de apoios menores (entre os quais Portugal), nos chamados pagamentos directos aos produtores. Há aqui dois grandes objectivos nesta reforma no que diz respeito aos pagamentos: acabar com o modelo histórico [que baseia o seu valor na produtividade média de cada região, sendo que as nacionais estão entre as mais baixas] que está na base destas diferenças entre Estados-membros. Não faz sentido que um agricultor da bacia de Paris receba 14 ou 15 vezes mais do que um alentejano ou do Minho. Agora, a convergência nos pagamentos foi muito tímida.

Pelas suas contas, quanto é que Portugal vai ganhar?

Para os pagamentos directos nós temos actualmente cerca de 570 milhões e passaremos a ter pelo menos 610 milhões. Mas ainda há muitas incertezas no horizonte. O orçamento comunitário ainda nem sequer foi aprovado. Por outro lado, temos de ter consciência de que o impacte que isto tem na evolução dos nossos rendimentos não é assim tão significativo como isso. Nós fizemos um estudo e concluímos que aquilo que em termos médios se vai beneficiar em termos de pagamentos directos andará entre os 6% e os 12% até 2019, em termos médios nacionais. Mas como esses pagamentos representam apenas uma percentagem do valor acrescentado líquido, o aumento deste valor após os pagamentos varia entre os 2,5% e os 4,5%. Não é isso que vai resolver o problema do rendimento das nossas explorações agrícolas.

Outra questão é a convergência nos apoios dentro de cada Estado-membro.

Se há diferenças entre Estados--membros, há diferenças ainda maiores entre os apoios por hectares a diferentes regiões e nos diferentes sistemas agrícolas do país. São diferenças enormes.

A Comissão também exige que essas diferenças sejam esbatidas. O que se pode fazer?

A Comissão é leonina e exige que a convergência dentro de cada Estado-membro esteja concluída até 2019, enquanto a convergência europeia seria até 2028. Isto vai criar uma dificuldade enorme sobre a forma como nós, internamente, fazemos esta distribuição. Quais são os sectores que vão ser mais penalizados? A agricultura de regadio - milho, arroz, tomate para indústria, bovinos de leite e bovinos de carne em produção intensiva. E são os mais penalizados porque são os que têm apoios maiores. Quem vai ser beneficiado? Sobretudo os sistemas mais extensivos. A pecuária extensiva, as policulturas, as culturas permanentes [olival, vinha...]... Mas as culturas permanentes, que agora têm um valor de pagamento baixo, vão ser beneficiadas, mas em termos de valor acrescentado isso não significa nada. Os outros não: actualmente têm ajudas baixas e os pagamentos representam 40%, 50%, 60% do valor acrescentado e podem ganhar 20% ou 30%. Depois, do ponto de vista regional, as zonas que vão ser beneficiadas com este processo são o interior e o Alentejo; as que vão ser penalizadas são o Entre Douro e Minho, a Beira Litoral e o Ribatejo, porque representam fundamentalmente aqueles tipos de sistemas agrícolas mais apoiados. Nesta perspectiva, podemos dizer que a nova política agrícola vai aumentar o rendimento das explorações nas zonas do interior, e nalguns casos com algum significado. Mas isto vai ter impactes muito negativos em alguns casos concretos, como no arroz ou no tomate. E em algumas zonas: a nível de NUT III, fizemos alguns estudos e concluímos que as médias de pagamentos andam nos mil e tal euros, quando a média nacional ronda os 170 euros por hectare.

Onde é que isso se verifica? No Ribatejo e no Oeste?

No Entre Douro e Minho. Porquê? Porque em causa estão sistemas de produção de leite muito eficientes mas com pouca terra associada. E isso vai levantar questões muito significativas. É uma espécie de bomba atómica interna. Tem de se encontrar soluções.

Até Agosto do próximo ano, o Governo vai ter de decidir se o envelope nacional vai ser aplicado num único programa ou se vai haver programas regionais.

O que acha mais recomendável?

Eu acho muito difícil a regionalização. Nós temos regiões muito heterogéneas e portanto criávamos dentro de uma zona limitada situações muito desiguais e relativamente injustas. Há quem defenda que se deveria dividir o país em duas grandes zonas: norte, centro, litoral e lezíria do Tejo, e depois tudo o resto. Eu até agora tenho defendido que é melhor termos uma taxa uniforme nacional, fazer tudo o que seja possível para garantir que a convergência seja até 2028, e usar a possibilidade de usar os pagamentos para amenizar as perdas dos que vão ser mais afectados por esta mudança.

Mas isso é uma forma de conservar o statu quo?

Não, é de amenizar a transição. Esta questão é muito política. Dizer assim: os agricultores que recebem cinco vezes acima da média têm de estar na média em quatro anos. Não é fácil. O que estou a discutir é que vão ter de se encontrar fórmulas para amenizar a transição, mas essa amenização não pode ser à custa das expectativas de que vão melhorar a sua situação. Haverá quem diga, "cá está, os produtores extensivos vão receber mais sem fazerem nada". Isto vai minar a situação e espero que as organizações de agricultores não caiam neste tipo de discurso.

 

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Estendendo-se a fome a toda a terra, José abriu todos os celeiros e vendeu trigo aos egípcios. Mas a fome persistiu no país do Egipto.
De todos os países vinham ao Egipto para comprar trigo a José, pois a fome era violenta em toda a terra.


Gen 41, 56-57

1.ª leitura da liturgia de hoje

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