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ANDREA CUNHA FREITAS 

Um grupo de investigadores portugueses anda pelos pinhais deste país a perseguir o insecto Leptoglossus occidentalis , também conhecido por “sugador de pinhas”. Querem saber como este percevejo de cerca de 20 milímetros, que chegou a Portugal em 2010, está danificar o valioso pinhão.

 

É no pinheiro-manso (mais precisamente dentro das suas pinhas) que está o negócio e, por isso, é esta “opção alimentar” do percevejo que preocupa produtores e indústrias e que desperta o interesse dos investigadores. Aprodução de miolo do pinhão que chegou a render mais de 100 milhões de euros por ano tem caído, apesar do aumento da área ocupada pelos pinhais. Na última década, a área de povoamento do pinheiro-manso em Portugal aumentou 54%, ocupando actualmente 174 mil hectares. Quanto ao pinhão, ao qual alguns chamam "ouro banco", este valioso produto pode custar ao consumidor cerca de 100 euros por quilo. Hoje para conseguir pouco mais que um quilo do precioso fruto são necessários os mesmos 100 quilos de pinhas que há alguns anos davam para tirar quatro quilos. Dentro das pinhas, há cada vez mais pinhões que aparecem secos, deformados… sugados.

O trabalho dos investigadores começou em 2014 e em 2015 iniciou-se o trabalho de campo, que tem duas abordagens: a recolha de pinhas por todo o país (o insecto está espalhado do Minho ao Alentejo) e a experiência que se realiza na herdade da Machoqueira do Grou (em Coruche), onde alguns ramos de pinheiro-manso foram vestidos com mangas de poliéster com o “sugador de pinhas” no seu interior. Além disso, há a observação directa em laboratório com recurso ainda a raios X e microtomografia para a caracterização dos danos causados. O trabalho conta com a participação de investigadores do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) e do Instituto Nacional de Investigação Agronómica de França (INRA, na sigla em francês), integrando ainda um projecto mais amplo chamado Pinea.

As pinhas recolhidas têm cerca de três anos (o tempo que a pinha demora a maturar), mas Ana Farinha já percebeu que os insectos podem atacar antes disso. “Já os vimos em pinhas com menos tempo e até em flores”, refere. Aliás, apesar de ainda ser cedo para certezas, a investigadora, que está a fazer a sua tese de doutoramento com este trabalho, já detectou outras características do “sugador de pinhas”. Aparentemente, os insectos “escolhem” uma vítima para atacar, sendo possível num grande pinhal encontrá-los apenas num único pinheiro-manso. Tal como já se disse, não escolhem a idade das pinhas e, do fruto, consomem apenas o endoesperma, deixando o embrião intacto. Como se comessem só a clara e deixassem a gema de um ovo. Esta preferência levanta outro problema, uma vez que é o endoesperma que constitui a reserva da semente e que permite que esta germine na terra.

Por outro lado, o Leptoglossus occidentalis não deixa marcas visíveis. “Nas amostras que recolhi, a pinha fica um pouco torcida mas não é fácil de detectar”, refere Ana Farinha, adiantando que este é um dos aspectos a esclarecer no seu projecto que só termina em 2017. Dentro de uma mesma pinha, os produtores encontram pinhões vazios, cheios e meio-cheios. “Queixam-se de que há cada vez mais vazios na mesma pinha.” O pinhão aparece enrugado e seco. “No trabalho em laboratório colocámos os pinhões com casca numas caixas com o insecto lá dentro e fomos radiografando de dois em dois dias. E de facto ele não deixa marcas, a casca fica inalterada”, conta Ana Farinha. Com uma fina “agulha” que tem na boca, o insecto faz um invisível furo nas “escamas” da pinha e alimenta-se do miolo do pinhão mesmo com a casca já formada.

O ano de 2010 foi marcante para este negócio. Foi, lembra Alexandra Correia, também investigadora do CEF/ISA, um ano de “uma safra excepcional com valores quatro vezes acima da média”. Depois disso, a produção caiu. O início da queda do negócio do pinhão coincide com o registo da entrada do Leptoglossus occidentalis em Portugal. Mas o insecto pode não ser o único culpado pela desgraça do pinhão. O clima, outras pragas ou mesmo uma questão genética devido a um excessivo recurso a enxertos para aumentar o cultivo do pinheiro-manso e que faz com que os vários exemplares sejam todos da mesma família, “irmãos de irmãos”, e, por isso, com características semelhantes, são outras das possíveis explicações dos investigadores para os problemas dentros das pinhas. Além disso, Alexandra Correia, que estuda estes ciclos de safra e contra-safra (boas e más colheitas), lembra que depois de “um ano de safra excepcional é natural que se registe uma quebra”. Ainda assim, nota a investigadora, Portugal continua a ser o país que tem a maior produção de pinha por área.

“O insecto pode ser um factor importante mas não o único. Também pode estar a servir um pouco de bode expiatório”, diz a Ana Farinha. Aliás, segundo esta investigadora, mesmo a coincidência encontrada em 2010 pode estar errada. Num artigo científico em colaboração com INRA, Ana Farinha traça a rota da invasão do insecto na Península ibérica. “Recolhemos exemplares vivos em toda a península e fizemos uma análise molecular, com marcadores mitocondriais e microssatélites que analisam as variações em escalas mais pequenas”, explica, adiantando que Barcelona terá sido a “porta de entrada” do insecto em Espanha, não existindo nenhum local específico que determine a entrada em território português. E uma vez que a entrada em Espanha data de 2003, Ana Farinha acredita que o insecto “tenha sido detectado tardiamente” em Portugal, que só o registou sete anos depois. “Percebendo como voa e se desloca, não me parece que tenha demorado tanto tempo para chegar a Portugal”, arrisca.

E não é possível exterminá-lo?

Nada como conhecer bem o inimigo para o conseguir derrubar. É também esse o caso. Ana Farinha explica que em vários países há várias experiências para encontrar a forma mais eficaz para exterminar o “sugador de pinhas”. Na Turquia, por exemplo, estão a testar o caminho dos pesticidas. Em Itália, conta a investigadora, a estratégia está mais virada para a introdução de um parasitóide da Califórnia (local de origem do Leptoglossus occidentalis) que, neste caso, é uma pequena vespa que se alimenta dos ovos deste insecto. E isso não poderá trazer outros problemas? “Pois, não sabemos”, responde Ana Farinha. Há também quem opte por “armadilhas com feromonas”, ou seja, cheiros capazes de repelir ou atrair para um outro local estes percevejos. Ana Farinha aposta na exploração da ecologia do insecto. “Sabemos que ele hiberna durante o Inverno, temos de saber mais sobre as suas preferências de abrigo e ver se o capturamos nessa altura”, propõe. Pois é. O “sugador de pinhas” hiberna durante todo o Inverno e aparecerá nos campos dentro de alguns dias, entre o final de Abril e início de Maio.

Ana Farinha não sabe ainda se vai encontrar muitos ou poucos “sugadores de pinhas” nos pinhais este Verão. “Eles têm uma dinâmica populacional confusa. No ano passado quase não o vi. Mas não sabemos porquê. Se for uma questão de alternância, vamos ver muitos este ano”. Os investigadores não sabem se vão encontrar muitos insectos nos pinhais e os produtores também ainda não sabem os pinhões que vão encontrar. Apesar de parecer que este ano há uma boa quantidade de pinhas, só depois de abertas é que se vê se o negócio vai correr bem. As investigações são muitas vezes como um bom romance policial durante o qual se seguem pistas, procura-se um culpado e que também podem ter momentos de suspense.

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CARLOS DIAS 

O fruto do pinheiro-manso assegurou, em 2010, uma receita de 84 milhões de euros. Para 2014, espera-se que a fileira facture apenas entre oito a dez milhões de euros, devido aos ataques de insectos sugadores.

 

Leptoglossus occidentalis é oriundo dos Estados Unidos da América e Canadá e foi detectado, pela primeira vez, na Europa, no norte de Itália, em 1999, tendo-se aclimatado e disseminado rapidamente por vários países europeus. Em Portugal, a sua presença foi detectada em Outubro de 2010, quase em simultâneo na península de Troia e na região norte.

As consequências do insecto sugador fizeram-se sentir de imediato na produção. Em 2010, foram recolhidos 120 milhões de quilos de pinhas e extraídos quatro milhões de quilos de pinhão, que proporcionaram uma receita de 84 milhões de euros. Nos anos seguintes, a recolha de pinhas baixou de forma drástica e, em 2014, o valor global resultante da produção de pinhões não deverá ultrapassar os 10 milhões de euros.

Severino Lourenço admite que a produção de pinhas “já poderia estar entre os 150 e os 200 milhões de quilos se não fossem as pragas”, realçando o peso que a fileira já representa na economia do país, sobretudo pela mão-de-obra que é envolvida na apanha manual das pinhas e que recebe “cerca de metade do valor da produção”. Qualquer pessoa “pode ganhar 100 euros se apanhar uma tonelada de pinhas por dia”, refere.

Pedro Silveira, director-geral da União da Floresta Mediterrânica – UNAC, não revela excessiva apreensão pela situação anómala que está a afectar a produção de pinhão, alegando que apesar da “explosão de pragas” estas “já existiam antes” e surgiram depois de dois anos de grande produção, um fenómeno que classifica de contra-safra. A perspectiva deste técnica é que a produção seja retomada nos próximos anos, frisando que os pinhais portugueses têm um rendimento “muito superior” aos de Itália, Espanha e Marrocos. E isso leva-o a defender que Portugal é o habitat privilegiado para o pinheiro manso.

Talvez esta constatação explique por que é que, há 40 anos, Portugal “dominava o mercado mundial do pinhão que agora está nas mãos da Itália” como o principal ingrediente de um molho que acompanha o esparguete, observa Pedro Silveira, explicando que, antes do 25 Abril de 1974, o negócio do pinhão estava as mãos de cooperativas que faliram na sequência da revolução dos cravos e que o know-how se perdeu para os italianos e os espanhóis. Aliás, é neste dois países que, segundo dados fornecidos pela UNAC se concentra a quase totalidade do pinhão exportado (Espanha 72,1% e Itália 24,1%), depois vem Angola 2,1%, França com 1% e Luxemburgo com 0,1%.

O director-geral da UNAC lamenta que Portugal continue a ter que exportar mais pinha que pinhão, devido à baixa capacidade de processamento que continua a existir no país, sabendo-se que o valor do pinhão tratado é muito superior ao ganho obtido com a exportação da pinha. No âmbito da produção nacional de frutos secos, o pinhão é já o segundo principal produto exportado, mas passa a primeiro se foi incluído o valor da pinha.

A escassez na produção de pinhão que se tem registado desde 2010 acabou por reflectir-se no preço do produto, que aumentou exponencialmente. A procura é cada vez maior e, no mercado português, “começou a surgir pinhão chinês e paquistanês que custa menos de metade do que é produzido no nosso país” assinala Severino Lourenço.
O preço do pinhão à saída do produtor ronda os 17 euros por quilo e nas grandes superfícies é comercializado numa base que ronda os 90 euros por quilo.

 

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Manual Do Pinheiro Manso 1369127663 by papinto

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