A seca que assolou o país e a diminuição da área semeada provocaram a maior queda de produção de cereais como trigo, cevada e aveia, pelo menos dos últimos sete anos. A confirmarem-se as previsões do INE, divulgadas ontem, a derrapagem destes cereais chegará aos 22% este ano, em comparação com 2011, para 126 mil toneladas.
Num ano marcado pela seca, os agricultores já previam este desfecho e não têm dúvidas de que o que se segue é o aumento das importações, já totalmente imprescindíveis para colmatar as necessidades internas: Portugal produz apenas um quarto dos cereais que consome. As baixas na produção em 2012 chegam aos 30% no triticale, cereal híbrido que resulta do cruzamento entre trigo e centeio, e 25% na aveia.
"Estas quebras eram previsíveis. As áreas em que são semeados estes cereais são de sequeiro e os agricultores só semeiam quando há precipitação. Muitos tiveram receio de semear sem ter chovido e, por isso, a área cultivada diminuiu", justifica Gabriela Cruz, directora da Associação Nacional dos Produtores de Cereais. Além disso, face às previsões de preços pouco animadoras divulgadas em Outubro, "os agricultores com terras mais marginais e menos competitivas tenderam a não semear". Mas o cenário inverteu-se. A seca assolou não só a Europa como os EUA, país que perdeu um quarto da sua produção de cereais, e os preços dispararam nos mercados onde se transaccionam as matérias-primas.
Fonte do Ministério da Agricultura também atribui as novas estimativas do INE "ao receio dos agricultores relativamente às consequências da seca" e vê com preocupação "todos os factores que possam afectar a produção agrícola e a rentabilidade dos agricultores". A tutela de Assunção Cristas sublinha que, por isso, lançou medidas de combate aos efeitos da seca e está a estudar a possibilidade de alargar aos produtores de vegetais a linha de crédito de 50 milhões de euros destinada a compensar os efeitos da seca.
Mas olhando para os dados dos últimos anos a quebra na produção de cereais de sequeiro é evidente: no trigo mole (muito usado na produção de bolachas) o volume passou de 196 mil toneladas em 2008 para 38 mil este ano. O desinvestimento neste tipo de cultivo mostra-se também na superfície cultivada: entre 2009 e 2011 a área ocupada pelo trigo mole caiu 56%. Nesse período, e no total dos chamados "cereais praganosos" (que precisam de chuva), a superfície cultivada diminuiu 30%.
O Ministério da Agricultura não atribuiu esta queda à Política Agrícola Comum, que, durante anos, aplicou um sistema de ajudas por tipo de cultivo e está agora em processo de revisão para vigorar depois de 2013. "A diminuição de produção dos últimos anos não é generalizada. A produção de milho está a cerca de 30 mil hectares de conseguir a auto-suficiência e as áreas semeadas têm crescido três a quatro mil hectares ao ano", diz fonte oficial. A quebra expressiva nos cereais praganosos é atribuída, além de à seca, às características de solo e clima de Portugal, explicação que é partilhada por Luís Mira, secretário-geral da CAP. Mira aponta também os baixos preços até agora registados nos cereais, o aumento dos custos de produção e a fraca produtividade dos solos nacionais em comparação com a dos países do centro da Europa. "Hoje as ajudas [comunitárias] estão desligadas. O agricultor procura no mercado a melhor opção de cultivo e escolhe", diz. "Portugal não tem condições de clima ou ambiente para ser auto-suficiente em cereais de sequeiro. As opções dos agricultores vão para o que dá mais rendimento", acrescenta, defendendo que o aumento do regadio pode ser uma solução para inverter a situação de quebra.
Para Francisco Gomes da Silva, professor no ISA e antigo assessor de Assunção Cristas, disseminar o uso desta tecnologia deve ser a "aposta da agricultura portuguesa". Com um uso "altamente eficiente" dos recursos, o regadio daria liberdade aos produtores de apostarem em culturas rentáveis, quando valesse a pena. Quanto à diminuição da produção, era inevitável face à situação de seca, mas a quebra também se explica pelo crescente investimento no regadio e numa mudança mais estrutural do sector. "Não podemos esquecer, e a agricultura foi muito criticada por isso, que houve uma altura em que se faziam cereais em tudo o que era pedra", acrescenta.
Além da maior dependência das importações, é expectável uma subida dos preços de produtos como o pão e, a médio prazo, a cerveja. Tiago Brandão, da Associação Portuguesa dos Produtores de Cerveja, admite aumentos no preço ao consumidor mas não para já. "É prematuro." Cerca de 30% da cevada usada na indústria é nacional, mas com a quebra da produção as cervejeiras concorrem com os produtores de rações para animais, obrigados a recorrer a cevada de maior qualidade.
A produção nacional de cereais de Outono-Inverno foi das “mais baixas das últimas décadas”. Dados do INE revelam que, face a 2009, houve um decréscimo de um quinto na produção, quando no conjunto do ano passado a produção já tinha caído 23 por cento.
As previsões agrícolas de Julho, divulgadas hoje pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), estimam que a campanha cerealífera em curso seja das mais baixas dos últimos tempos, consequência da “diminuição das áreas semeadas e das quebras de produtividades”. A contribuir para a diminuição das áreas plantadas estiveram as condições climatéricas, as fortes chuvas de Inverno foram as principais responsáveis.
Estas previsões de Julho podem já ser vistas como uma antevisão quanto a uma possível quebra na produção cerealífera nacional em 2010, que poderá ser um dos piores anos das duas últimas décadas.
No final do ano passado, os dados referentes à agricultura revelaram que 2009 foi também um ano mau, com uma queda de 23 por cento do volume de produção, face ao ano anterior. As condições do estado do tempo foram, também no ano passado, um dos principais motivos para as quebras registadas na produtividade.
A colheita deste ano “está praticamente concluída”, pelo que é já possível adiantar que vários foram os cereais a registar quebras na produtividade. O milho de regadio foi um deles, a superfície plantada este ano rondou os 88 mil hectares, extensão semelhante à de 2009, mas a mais baixa dos últimos 20 anos. A produção de batata de regadio deverá ter uma quebra de cinco por cento face a 2009, resultado do encharcamento observado em alguns terrenos. Cinco por cento é também o valor previsto para a descida na produção de tomate para a indústria, a ser colhido entre Setembro e Outubro.
O INE prevê ainda que a produção de árvores de fruto também venha a ser afectada. “As perspectivas para a fruticultura também não são animadoras, prevendo-se quebras de 30 por cento nos pomares de macieiras e pereiras e 15 por cento nos pessegueiros” revela o documento.
Apesar das quebras verificadas no período Outono-Inverno, as culturas de Primavera-Verão têm apresentado um “desenvolvimento vegetativo relativamente normal para época”, concluiu o INE.