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O Mirante

ENTREVISTA  | 01-09-2016 10:04 
Agroglobal tem transmitido uma imagem diferente do agricultor e da agricultura
 
 
Joaquim Pedro Torres, organizador da maior feira profissional, que decorre nos campos de Valada.

Joaquim Pedro Torres é um profissional da agricultura, um produtor que em 2009 percebeu que podia dar um contributo para a melhoria, a troca de experiências e a discussão das questões do sector. Nesse ano avança com outros elementos para a Feira Nacional do Milho, o primeiro certame em Portugal num campo de milho com demonstrações ao vivo de técnicas e maquinaria. A feira projectou-se, ganhou importância e evoluiu para um modelo mais alargado, passando a chamar-se Agroglobal. É hoje considerada uma das maiores feiras profissionais da Europa. Nesta entrevista, Joaquim Pedro Torres fala da feira e de alguns temas da agricultura que estão na ordem do dia.

Como surge a ideia de quem está preocupado com a produção montar uma feira para profissionais? Por estar inserido no processo produtivo sentia que havia uma lacuna nas feiras agrícolas em Portugal. A possibilidade de estabelecer uma parceria com o INIAV - Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, dono dos terrenos onde a feira se realiza, foi um aspecto muito importante, tal como encontrar os elementos certos, como a Agroterra e a Câmara do Cartaxo.
No início foi fácil convencer as entidades do sector? Já existiam eventos parecidos em outras partes do mundo, sobretudo nos Estados Unidos da América, e as empresas concordaram que havia necessidade de fazer uma feira com estas características em Portugal. O facto de estarmos há muito tempo na agricultura levou a que se gerasse uma confiança mútua. O projecto tinha condições para ser convincente e hoje temos praticamente na feira todas as empresas da fileira agrícola, além de empresas que não sendo do sector dão a este uma importância cada vez maior, como bancos ou petrolíferas.
Por que é que têm resistido a abrir a feira a uma vertente mais popular? Recebemos de bom grado todo o tipo de visitantes mas para nós é importante que se mantenha na Agroglobal um ambiente de partilha de conhecimento agrícola, para que resultem negócios. É essa a razão pela qual estão aqui as empresas. O não desvirtuar este ambiente é fundamental para o sucesso da feira e se ela se transformasse num certame de massas, de pessoas que não estão interessadas no negócio, tornava esta característica menos acentuada.
Em que é que a Agrobal tem contribuído para a agricultura? Contribuiu para transmitir uma imagem diferente daquilo que é o agricultor e a agricultura. Nem sempre a sociedade foi generosa a entender o sector, que foi muitas vezes entendido como um sector menos preparado tecnologicamente, menos evoluído, o que não tem a ver com a realidade. Temos tido a preocupação de trazer à Agroglobal pessoas de fora do sector, pessoas que formam opinião, e quando aqui chegam ficam muito admiradas com a profundidade e profissionalismo com que os assuntos são tratados. Isso contribui para que quem tem a responsabilidade de gerir os destinos do país, também a dirigir uma nova atenção para o sector, o que tem acontecido.
Inicialmente a feira era praticamente dedicada ao milho e evoluiu para uma feira mais abrangente. Como se deu esta evolução? Foi feira do milho apenas na primeira edição porque desde logo se verificou que o debate ultrapassou muito esta cultura. Apesar de o milho ter um papel importante a feira evoluiu para outro tipo de culturas, pretendendo-se representar o todo da agricultura portuguesa. Foi quase que uma imposição natural porque era evidente a necessidade de uma feira deste tipo ser transversal.
A Agroglobal tem vindo também a acompanhar a evolução nas culturas que têm vindo a surgir? Há espaço para outro tipo de culturas, que são pequenos nichos mas que têm vindo a crescer e que merecem um sinal da Agroglobal. Hoje as soluções técnicas são muitas e permitem adaptar as condições às exigências das culturas. Não somos um país com condições para desenvolver tudo, mas com as condições técnicas é possível e esses nichos têm vindo a alargar-se e se essas culturas não vingarem é porque o mercado não o permite.
O milho é uma cultura que vai conseguir manter a sua importância? Tem passado por vários ciclos de entusiasmo. Neste momento estamos a passar por uma fase menos favorável. Há um enquadramento de preços internacional no qual o produtor português não se sente cómodo e as áreas de produção têm vindo a diminuir um pouco. A Europa tem vindo a introduzir uma série de restrições, que tem a ver com a introdução de variedades transgénicas e matérias activas e que não existem em países grandes produtores, como Estados Unidos da América, Brasil e Argentina.
Por que motivo há tanta resistência à introdução de milho transgénico (geneticamente modificado) na Europa? Há um conjunto de regras que se vão instalando no mercado, por vezes de uma maneira estranha, porque criam-se limitações à produção mas não se criam limitações à importação. Se quiséssemos ter um país e uma Europa livre de transgénicos então seriam proibidas as importações de países que utilizam esta tecnologia de produção. O problema é concorrermos em termos de preço e usando armas diferentes.
Os transgénicos são assim tão prejudiciais? Se países que têm dado provas de extremos cuidados e eficiência no controlo de situações nocivas à saúde o utilizam de uma forma generalizada, quero crer que não são prejudiciais.

Beterraba é viável mas não vai ser o que era
A beterraba sacarina, impulsionada pela instalação de uma fábrica em Coruche, que agora está inactiva, pode vir a ganhar o fulgor de antigamente? A beterraba, em termos produtivos, funciona muito bem em Portugal. O problema é que o mercado mundial do açúcar sofreu muitas transformações. O açúcar de beterraba na Europa era uma produção muito protegida em termos de preços e conseguia proporcionar aos agricultores bons níveis de rentabilidade, mas a entrada de açúcar de outras proveniências dificultou a capacidade de produzir a preços concorrenciais. Estudos recentes dizem que há capacidade para produzir beterraba em Portugal, a níveis compensadores. A cultura nunca mais vai ser o que era mas pode ser viável.
O que diz dos agricultores que passam a vida a lamentar-se? A agricultura é uma actividade difícil que normalmente não dá grandes níveis de remuneração do trabalho. De uma forma geral a produção agrícola não especializada é uma actividade que não tem muitas barreiras à entrada. O nível de conhecimento que é preciso está disponível no mercado e qualquer pessoa pode fazer uma cultura de milho mesmo não sabendo plantá-lo. O que faz com que haja muita concorrência e os agricultores não consigam fazer valer factores que se possam distinguir de outros agricultores. É uma actividade tão aberta em que a concorrência está em permanência.
Mas o queixume não dá uma boa imagem do sector… O que se vê é a necessidade de se diferenciar, o que obriga a aprofundar ao máximo a utilização dos recursos e conhecimentos modernos.
Quando e porquê a agricultura passou a estar mais na moda? Infelizmente por desaceleração dos outros sectores de actividade, como a construção civil e a indústria. A agricultura aguentou muito melhor o embate e passou, em termos relativos, a ficar mais valorizada. Mas também porque foi conseguindo passar a imagem daquilo que realmente vale.
O que evoluiu na agricultura da região nos últimos anos? A agricultura do Ribatejo anda ao melhor nível desde há muito tempo. Não vejo há muitos anos, de Abrantes a Vila Franca de Xira, um hectare de terra que não esteja cultivado ao melhor nível do que se faz no mundo. Agora há é mais visibilidade do sector.

Organizador condecorado pelo Presidente da República

Joaquim Pedro Torres, 61 anos, o rosto da Agroglobal, foi condecorado no 10 de Junho, em 2009, durante as comemorações do Dia de Portugal, em Santarém, pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, com a Ordem de Mérito Agrícola, Comercial e Industrial. Licenciou-se em 1972 no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, tendo feito estágio na Estação Zootécnica Nacional, no Vale de Santarém. 
Em 1977 avança com a primeira iniciativa empresarial agrícola, com a produção de melão em Salvaterra de Magos, que acabou por não correr bem. Dois anos depois ingressou nos quadros da então Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste, na Divisão de Hidráulica e Engenharia Agrícola, mantendo em paralelo algumas iniciativas empresariais agrícolas, como a criação e engorda de perus e produção de milho em parcelas arrendadas.
Forcado dos Amadores de Santarém durante nove anos, ingressa em 1983 no Banco Pinto e Sotto Mayor, na recém criada Direcção de Agricultura Industrias Alimentares e Pescas, chefiando a delegação do Ribatejo e Oeste, com sede em Santarém. Em 1989 o aumento de dimensão potencial da actividade agrícola leva-o a criar, em sociedade com a Irricampo (representante de equipamentos de rega), a empresa Valinveste, Investimentos e Gestão Agrícola, vocacionada para a produção agrícola, acompanhamento técnico em explorações agrícolas de terceiros e estudo e preparação de projectos de investimento. Em 2008 a Valinveste atinge a facturação de 12 milhões de euros.
Joaquim Pedro Torres detém actualmente 94 por cento do capital da Valinveste, uma empresa sem terras que foi um dos maiores (e em alguns anos o maior) produtores de milho e beterraba da Europa Comunitária. Hoje é o maior produtor nacional de milho. A empresa tem estudado nos últimos anos um grande número de projectos de investimento, sem participar na produção, em Portugal, mas também na Tunísia, Moçambique e Roménia.

Feira com 270 expositores

A Agroglobal decorre em Valada do Ribatejo, concelho do Cartaxo, num terreno agrícola do Estado, entre os dias 7 e 9 de Setembro. Com uma periodicidade bianual, a feira demora cerca de um ano a ser preparada e a sua planificação adapta-se ao que as empresas do sector, muitas delas internacionais, querem comunicar aos profissionais. Na Agroglobal os produtores têm acesso a uma série de recursos que lhes permite planificar negócios. Por exemplo pode ver uma máquina a trabalhar, saber logo as suas características e preço, ir aos stands das entidades estatais saber que tipo de apoios existem, depois ir aos espaços das entidades bancárias informar-se sobre condições de financiamento.
Este ano a feira vai ter 270 expositores, número bastante expressivo para uma feira num país com a dimensão de Portugal. O organizador da Agroglobal, Joaquim Pedro Torres, refere que a maior feira do género em França tem cerca de 300 expositores. Na feira de Valada do Ribatejo, em determinadas alturas, vai ser possível ver em simultâneo uma centena de máquinas a trabalhar nos terrenos, fazendo demonstrações, por exemplo de colheitas ou mobilização dos solos. No espaço de 160 hectares estão cultivadas para a feira culturas como o milho, tomate, ferragens, vinha, batata, girassol ou frutos vermelhos, além de uma área dedicada à floresta e sobretudo ao eucalipto.
No espaço vão estar montados dois auditórios. Um dedicado a temas mais generalistas da agricultura e que tem por nome Auditório Armando Sevinate Pinto, uma forma de homenagear o engenheiro agrónomo, falecido em 2015, que foi ministro da agricultura e um apoiante da Agroglobal. No segundo auditório, com o nome Companhia das Lezírias, vão abordar-se temas mais específicos, como a agricultura de precisão, o maneio da água, entre outros. O certame inclui ainda um pavilhão da inovação, que vai mostrar e demonstrar as mais recentes tecnologias.
A Agroglobal registou na edição passada cerca de 20 mil visitantes, um número que ficou aquém das expectativas devido ao mau tempo que se fez sentir na altura. Para a edição deste ano são esperados mais do dobro dos visitantes, que não pagam a entrada. A Agroglobal é uma feira que visa gerar trocas de experiências, encontros e sobretudo é uma plataforma de negócios do sector agrícola, na qual participam bastantes estrangeiros.

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