A produção de cereais em 2010 ameaça ser das mais baixas das últimas décadas e deverá cair 20 por cento em relação a 2009. As previsões agrícolas do Instituto Nacional de Estatística (INE), ontem divulgadas, revelam que esta será a segunda pior campanha desde pelo menos 1986. De acordo com o INE, a produção de trigo, centeio, aveia e cevada não irá além das 223 mil toneladas. Pior só em 2005, ano em que a produção não chegou às 161 mil toneladas. E se olharmos mais para trás, entre 1990 e 2010, a produção cerealífera de Inverno caiu 63 por cento. Na década de 90, a produção de trigo mole (usado para produzir farinha) chegava quase às 273 mil toneladas e a produção de cevada era de pouco mais de 78.500 toneladas. Passados 20 anos, o trigo ceifado não deverá ultrapassar as 67 mil toneladas, um valor muito próximo das 55 mil toneladas de cevada que se espera produzir.
O INE atribui as produções "excepcionalmente baixas" à diminuição das áreas semeadas e às quebras de produtividade, devido ao "alagamento dos terrenos" e à "elevada presença de infestantes". Mas Arlindo Cunha, antigo ministro da Agricultura, considera que "o factor climático não foi o pior" e que a principal causa prende-se com a reforma de 2003 da Política Agrícola Comum (PAC). O ex-eurodeputado lembra que a PAC de 2003, altura em que as ajudas aos agricultores foram desligadas da produção, levou a que as pessoas prefiram "não plantar e receber o subsídio". Arlindo Cunha defende que antes da próxima revisão da PAC - prevista para 2013 - é necessário fazer-se uma análise detalhada sobre as culturas nos vários países, de forma a que os subsídios sejam dados consoante o nível de produtividade, pois "nas regiões menos produtivas, essa prática [ajudas desligadas da produção] pode levar ao abandono". O antigo ministro diz que a diminuição da área semeada é também consequência dos preços pagos aos produtores "que são cada vez mais baixos".
Também Francisco Avilez, professor do Instituto Superior de Agronomia, considera que o decréscimo da produção de cereais em Portugal ao longo das últimas décadas se deve às alterações que foram sendo introduzidas na PAC. Mas isso não significa, na opinião deste especialista, que a futura revisão da política agrícola europeia lhe mude o rumo. "A grande questão sobre o futuro da PAC é como orientar uma parte significativa dos apoios, de forma a viabilizar determinado tipo de sistemas com preocupações ambientais e sociais", salienta, alertando que não faz sentido continuar a proteger o mercado interno. Francisco Avilez acrescenta que a produção de cereais de sequeiro só faz sentido para manter determinados ecossistemas e uma economia rural em certas regiões e não para concorrer nos mercados internacionais, onde não tem qualquer hipótese, já que se trata de uma cultura de sequeiro com uma produtividade inferior à conseguida pelos restantes parceiros europeus.
Já o presidente da Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais (ANPOC), Bernardo Albino, responsabiliza a "falta de uma estratégia política". "Há tantos planos e estratégias, por que é que não há um para a produção de cereais", questiona. O dirigente defende que "o país devia ser ambicioso" quanto à produção e manutenção dos stocks de cereais, já que, alerta, apenas 25 por cento dos cereais consumidos em Portugal são produzidos em solo nacional e os restantes 75 por cento vêm de fora. O presidente da ANPOC frisa ainda, em linha com Arlindo Cunha, que "os preços pagos ao produtor são baixos", facto que leva a que cada vez mais "pessoas abandonem as terras ou optem por outras plantações".
Frutas caem 30 por cento
As perspectivas para a fruticultura também não são animadoras, onde o INE prevê quebras de 15 por cento na produtividade dos pomares de pessegueiros e de 30 por cento nas macieiras e pereiras, cuja apanha ainda não se iniciou. São os próprios produtores que confirmam estes dados. Torres Paulo, da Frutus, uma empresa do Cadaval que produz 15 mil toneladas por ano de pêra rocha, maçã e ameixa, diz que ao nível da pêra a quebra até é capaz de ser um pouco superior a 30 por cento. Para o também dirigente da Associação Nacional de Produtores de Pêra Rocha (ANP), esta descida explica-se por duas razões: "[Em 2009] a produção atingiu um valor recorde e era difícil haver outro ano assim, e já estávamos à espera de uma quebra de 10 por cento. Os outros 20 por cento explicam-se por razões climatéricas."
Esta descida acompanha uma tendência europeia, embora seja mais acentuada em Portugal. Numa reunião em Kiev a 6 de Agosto, os representantes dos produtores europeus já previam uma quebra global média de 19 por cento da fruta em Portugal, Espanha e Itália. Apesar de tudo, a situação portuguesa não é dramática: "Quando a produção é demasiada, os preços descem e no ano passado, devido ao pico de produção, tivemos pela primeira vez dificuldade em escoar tudo, coisa que não tinha acontecido nos anos anteriores." A Frutus, que factura cerca de 7 milhões de euros por ano, exporta 80 por cento da sua produção, sobretudo para Inglaterra, Irlanda, França e Brasil. Torres Paulo diz que uma das coisas boas que tem acontecido nos últimos anos é ter andado em contraciclo com os concorrentes (França, Espanha e Itália) com grandes produções em Portugal a coexistirem com quebras naqueles mercados. Joana Arroz, secretária-geral da ANP, considera que ainda é cedo para falar das consequências da quebra na produção. "Vamos ver. Se os preços subirem em virtude da menor produção, a situação não é preocupante. Mas se não subirem devido à crise, aí a situação já pode ser dramática", realça.