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ARMANDO SEVINATE PINTO
Público 30/08/2014 - 15:52

 

Não é difícil imaginar-se quais os objectivos principais que deveriam estar associados às políticas agrícolas, numa perspectiva meramente nacional.

A forma mais sintética de o dizer será que as políticas agrícolas devem contribuir para o desenvolvimento da agricultura (entendida como agricultura, floresta e agro-indústria), de forma sustentável, viável e durável, em todo o território nacional.

Até aqui, tudo fácil e talvez até consensual.

Mesmo aqueles que gostam do detalhe e de intermináveis listas de objectivos associados a qualquer política encontrarão nesta fórmula a abrangência suficiente para cobrir os seus desejos.

O problema é como organizar os meios e os instrumentos para atingir, na prática, aqueles objectivos.

A primeira, e talvez a maior dificuldade, é que os agricultores (estou sempre a pensar em Portugal) não são todos iguais e estão muito longe de o serem. São todos importantes. Contudo, têm estruturas diferentes, meios diferentes, conhecimentos diferentes, necessidades e objectivos diferentes.

Uns são pequenos e muito pequenos agricultores que visam a subsistência; outros são agricultores de pequena ou de média dimensão que exercem a actividade apenas com a ajuda da sua família, já com alguma orientação para o mercado; outros são agricultores de média e/ou grande dimensão, organizados em termos empresariais; outros são grandes agricultores, ou sociedades, muitas vezes multinacionais, orientados exclusivamente para o mercado, às vezes apenas para o mercado externo.

Para se ter uma ideia da realidade em presença, vejamos apenas o número e a dimensão física das 304 000 explorações recenseadas, relativamente ao total da Superfície Agrícola Utilizada (SAU) que é de 3,7 milhões de hectares:

21% das explorações têm menos de 1 ha e ocupam 1% da SAU; 54% têm de 1 a 5 ha e 9,9% da SAU; 17,1 % têm entre 5 e 20 ha e 13,4% da SAU; 5,2% têm entre 20 e 100 ha e 18,1% da SAU; 1,9% têm entre 100 e 1000 ha e ocupam 45,7% da SAU; 0,1% têm mais de 1000 ha e ocupam 12% da SAU.

Enquanto a uns interessa sobretudo o custo dos factores de produção, porque consomem o que produzem, a outros interessam também os preços a que podem vender os seus produtos, bem como financiar os seus investimentos, e a outros também os câmbios e as condições dos mercados para onde podem exportar os seus produtos.

Naturalmente que uns trabalham directamente a terra, outros gerem aparelhos produtivos, mais ou menos complexos, enquanto outros o fazem muito indirectamente, ou até muito longinquamente, exclusivamente preocupados pela remuneração dos capitais investidos. Também há meros proprietários de terra que gostam de se dizer agricultores, sem verdadeiramente o serem.

A sua importância, no contexto das políticas agrícolas, existe apenas na medida em que ponham os meios de produção, de que são proprietários, à disposição de outros que deles possam criar valor e utilidade social.

Como será então possível gerir este conjunto muito heterogéneo de condições e de interesses, em benefício do país?

Isto é, com a melhor relação custo/ benefício público possível, tendo naturalmente em conta as realidades económicas, sociais e ambientais, de cada região?

A meu ver, nunca com uma política única, monolítica, igual para todos.

Mas sim com um conjunto de instrumentos e de acções que tenha em conta a diversidade em presença, no pressuposto, que partilho, de que todas as realidades antes mencionadas são importantes para que os objectivos possam ser alcançados.

Esse conjunto ideal é hoje possível, tendo em conta os fortes apoios europeus, a que se deve juntar a vontade política de os completar com recursos nacionais, sempre que os primeiros revelem limitações para fazer face às nossas necessidades especificas.

Não se pode ignorar os grandes agricultores, no pressuposto de que estes disporão dos meios suficientes para dispensar o apoio público, tal como não se pode ignorar os pequenos e muito pequenos agricultores, economicamente muito frágeis, desconhecendo a sua enorme importância no tecido socioeconómico de muitas regiões, onde exercem, muitas vezes, funções essenciais não remuneradas pelo mercado.

Contudo, entre uns e outros, poucos interesses serão comuns.

Enquanto aos primeiros interessa sobretudo que o Estado não dificulte, que a burocracia não atrapalhe e que haja apoio aos investimentos (que, em alguns casos, deveria ser quantitativamente limitado, porque desnecessário), aos segundos interessa sobretudo os subsídios ao rendimento, que haja serviços de proximidade que os apoiem, que haja Segurança Social que os seus fracos rendimentos não podem pagar e que não os embrulhem em inexplicáveis sistemas fiscais para venderem nas feiras “dois molhos de couve”.

Entre uns e outros, há uma enorme massa de agricultores activos cuja existência é vital para o nosso desenvolvimento. São agricultores empresários, que não podem dispensar, quer os apoios ao rendimento, quer os apoios aos investimentos, uns e outros funcionando com eficácia e previsibilidade.

Além disso, para eles, que deverão constituir um dos alvos principais das políticas, é vital a existência de enquadramentos associativos dinâmicos, de uma investigação actualizada e pragmaticamente orientada, bem como de um sistema público que produza e disponibilize conhecimento técnico.

Por outro lado, esses agricultores suportam bastante mal os sobrecustos, quer dos equipamentos, quer de alguns factores de produção, que não podem dispensar, bem como as dificuldades em encontrar quem esteja disponível e disposto a trabalhar na agricultura. Este último aspecto é agravado pela quase inexistência de prestadores de serviço, eficientes e profissionais, que, em Portugal, nunca foram objecto de consideração ou de apoio público directo. Como em política e em economia, também conta a distribuição dos meios públicos ao seu serviço, essa distribuição, tem de ser justa, isto é, deve ser proporcional aos objectivos correspondentes ao interesse nacional e deve resultar de um debate aberto, e fundamentado, com representantes de todos os interesses. Infelizmente, ainda existem em Portugal dirigentes associativos, sem actividade agrícola conhecida, que reivindicam sem justificar e, pior ainda, se põem propositadamente fora do debate, não fosse um eventual acordo manchar-lhes o prestígio de litigantes compulsivos. Preferem, por isso, os insultos públicos dirigidos a quem com eles deveria dialogar.

É estranho que assim consigam manter os empregos, prestando sempre um péssimo serviço àqueles que ilusoriamente se julgam bem representados.

Engenheiro agrónomo (ISA)

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O número de doutoramentos

por papinto, em 17.08.14

MIGUEL MOTA Público, 17/08/2014 - 04:22

 

Governos das últimas décadas, principalmente os do PS, apregoaram como, nos últimos tempos, aumentou muito o número de doutorados em Portugal. A afirmação está correcta mas exige algum esclarecimento para que quem está longe destes assuntos não fique com a ideia de que Portugal não tinha, no antigamente, gente qualificada ao nível de doutoramento.

 

Durante muitos anos, o doutoramento não estava no percurso normal de algumas carreiras. Nos grandes laboratórios de investigação, iniciados em 1936, com a criação da Estação Agronómica Nacional (EAN), a progressão na carreira (paralela da carreira docente universitária) era feita por concursos.?(Não estou a defender ou a atacar os sistemas então vigentes. Estou apenas a constatar factos. Aliás, concordo com o sistema actual). Por estas razões, existiam, nessas instituições, pessoas de muito alto nível científico, bem para além do nível do doutoramento.

 

Mesmo nas universidades, as admissões e progressão na carreira eram frequentemente feitas por convite ou por concursos, documentais ou de provas públicas. Muitos professores catedráticos e até reitores nunca tinham feito o doutoramento, embora tivessem nível muito superior ao de um recém-doutorado. O Eng.º Manuel Rocha, fundador e  primeiro Director do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), nunca fez o doutoramento. Recebeu mais tarde, merecidamente, o grau de Doutor Honoris Causa. Faleceu recentemente um professor catedrático do Instituto Superior Técnico, o Eng.º J. Delgado Domingos, que nunca fez o doutoramento, o que não o impediu de ser uma figura importante na ciência.

 

Em Espanha, o curso de engenheiro agrónomo era semelhante ao que havia em Portugal e exigia, após os cinco anos de cadeiras, uma tese de investigação original que levava, em média, três anos a completar. Quando a Espanha mudou esse sistema para um como o proposto pela Declaração de Bolonha, entregou o diploma de Doutor em Agronomia a todos os engenheiros agrónomos que tinham completado o curso com média igual ou superior a 14 valores. (As notas, em Agronomia, tal como em Portugal, eram muito apertadas). Um professor catedrático de Agronomia de Espanha, Mateo Box, que esteve em Portugal como arguente num concurso, disse-me que ele tinha sido um desses casos.

 

Quando foram criados, em Portugal, os mestrados (que eu sempre considerei um erro), o ministério convidou, através do Instituto Britânico, alguns professores da Universidade de Reading para virem “ensinar” a fazer esse grau. Vieram ver, não só as escolas de ensino superior, mas também as instituições de investigação científica onde se poderiam fazer teses de mestrado. Os de engenharia civil, além do Técnico, foram ver o LNEC. Dois de agronomia foram à EAN. O Prof. Watkin Williams foi ao Departamento de Genética, então da minha responsabilidade. O outro, cujo nome não recordo, foi ao Departamento de Pedologia.? Durante a conversa, o Prof. Williams perguntou-me como era a tese que lhe tinham dito ser exigida até há pouco tempo para se ser engenheiro agrónomo. Disse-lhe que um pequeno número de teses, normalmente com uma classificação modesta, seriam aceites em Inglaterra como teses de mestrado. A grande maioria seria certamente aceite como teses de doutoramento.

Convidei esses dois professores para jantar e, em minha casa, durante a conversa, o Prof. Williams, que sabe espanhol, disse: "Estive na biblioteca da Estação Agronómica a ver teses e tudo o que vi eram boas teses de PhD” (doutoramento). Ouvi mais alguns comentários de estrangeiros no mesmo sentido.

Repito: Apenas pretendi que, ao referir-se o grande aumento do número de doutoramentos – que, aliás, também se verificou noutros países – não fique a ideia errada de que o nível de conhecimentos em Portugal seria muito mais baixo do que na realidade era.

Investigador Coordenador e Professor Catedrático, jubilado

 

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Do Reino Maravilhoso

por papinto, em 13.08.14

 

Trás-os-Montes, Agosto de 2014 (Malomil)

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A importância do conhecimento na agricultura ARMANDO SEVINATE PINTO Público 10/08/2014 - 13:26

No último texto publicado neste jornal, afirmei a minha convicção de que o investimento produtivo e o conhecimento eram dois pilares nos quais se teria que basear o nosso desenvolvimento agrário. Disse, então, o que pensava sobre o investimento. Referir-me-ei agora ao conhecimento.

Uma das poucas questões que, no domínio agrícola, não suscita opiniões divergentes, é o reconhecimento do contributo decisivo da fileira do conhecimento (investigação, ensino, formação, divulgação), para o extraordinário progresso alcançado pela agricultura europeia e mundial, ao longo das últimas décadas, depois da última guerra.

A nível europeu, nessa altura, o desafio lançado à fileira do conhecimento e à investigação em particular, foi enorme. Tratava-se de aumentar a produção de uma Europa muito fragilizada e carente de bens alimentares. A segurança alimentar, em termos quantitativos, era um objectivo claro e a Europa estava disposta a proporcionar à investigação agrária todos os meios disponíveis e a aceitar, quase sem limitações, os métodos por esta utilizados.

Seguiu-se um período de grande dinamismo, com a investigação e o ensino a orientarem-se para quatro direcções principais: o controlo dos factores limitantes da produção; o desenvolvimento da mecanização; o desenvolvimento dos fertilizantes químicos e dos produtos fitossanitários e zoossanitários; e o melhoramento das variedades vegetais e das raças animais.

O objectivo comum era o aumento da produtividade física e os resultados foram espectaculares.

Nas décadas de setenta e oitenta, sem abandonar a opção produtivista, a Europa associou-se a novos objectivos, como a luta biológica, a energia, a gestão dos solos e da água e as tecnologias de informação. Só já no fim dos anos oitenta a comunidade científica e técnica começou a dar atenção sistemática e organizada à extensificação, à qualidade, ao ambiente e, ainda, à economia (ao contrário do que aconteceu nos EUA, onde a dimensão económica do progresso técnico e científico foi bastante mais cedo tida em conta).

Muitos erros terão sido cometidos, entre os quais “o descuido” ambiental, cuja factura estamos ainda a pagar, mas também o progressivo afastamento dos homens da ciência relativamente aos homens da terra, com o aumento do seu fascínio pela distante investigação fundamental.

Entretanto, em Portugal, apesar da nossa dimensão, registámos em tempos passados, alguns exemplos notáveis, ainda que pontuais, de desenvolvimento agrário baseado no esforço da nossa investigação, ensino e formação, quer dos diferentes organismos do Estado, quer de organizações e empresas privadas que desenvolveram projectos técnicos e científicos com mérito indiscutível (pomicultura, subericultura, tomate para indústria, vinha, pastagens e forragens, etc.).

Nas últimas décadas, no entanto, assistiu-se a uma evolução negativa da investigação agrária, resultante de três situações distintas e de sinal divergente:

- Um claro enfraquecimento das condições de investigação* e da acção concreta dos organismos do Estado, muitos dos quais foram até extintos;

- Um alargamento e maior dinamismo das acções de investigação realizadas pelas universidades e institutos politécnicos;

- Uma crescente integração da investigação portuguesa* em projectos europeus, financiados pelos sucessivos Programas Quadro, normalmente, em colaboração com organismos de outros Estados-membros.

O resultado da conjugação destas três tendências não tem sido famoso.

De facto, o significativo enfraquecimento da acção concreta desenvolvida pelos organismos do Estado na área agrícola, florestal e agro-industrial, não foi suficientemente compensado pelo seu alargamento nas universidades e politécnicos e pelo aumento da participação de investigadores portugueses em projectos financiados pela União Europeia que, apesar de interessantes e com alguns aspectos positivos, tem-se frequentemente desviado de interesses práticos em termos nacionais.

Assim, e embora se trate evidentemente de um assunto controverso, tal como a minha opinião também o será, considero que é na área do conhecimento, a par com os seus fracos recursos naturais, que a agricultura portuguesa tem hoje as maiores desvantagens comparativas para poder concorrer, em condições mínimas de igualdade, com os seus concorrentes, no mercado interno e externo.

A carência de conhecimento prático, adaptado às nossas necessidades específicas, não é, evidentemente, completamente generalizada. Há, entre nós, excepções pontuais e casos de sucesso e até de excelência, que deveriam ser estudados para melhor se compreender as razões da sua existência.

As carências não derivam exclusivamente da falta de produção científica, mas também de evidentes fragilidades no ensino agrário no seu conjunto (apesar de termos 14 escolas de ensino superior agrário - 6 universidades e 8 politécnicos - o seu excesso e descoordenação são dois dos seus males) e, obviamente, na ineficácia da transmissão do conhecimento, até aos seus utilizadores finais, sempre que ele está disponível na origem. Isso acontece, quer pela insuficiência de estruturas de intermediação, quer por múltiplas outras razões, até culturais, que afastam uma grande parte dos agricultores do conhecimento técnico e científico.

Infelizmente, em matéria de conhecimento técnico/científico incorporado em práticas agrícolas, florestais e agro-industriais, temo-nos vindo a afastar de muitos países da União Europeia, onde se procura, activamente, modernizar, inovar e encontrar os caminhos de uma nova agricultura, competitiva e sustentável. Uma agricultura que dê resposta aos grandes desafios, quer os do nosso tempo, quer aqueles que, não estando ainda completamente presentes, já produzem sinais de grande aproximação (como, por exemplo, as alterações climáticas).

Apesar das dificuldades, podemos e devemos ter um sector agrário multifuncional e muito mais desenvolvido do que o actual. Os portugueses podem e devem, legitimamente, aspirar a um desenvolvimento agrário que contribua, de forma mais significativa, para o nosso abastecimento alimentar, para o reequilíbrio da balança comercial e para o aumento do valor acrescentado do sector, que será, aliás, a única maneira de aumentar o rendimento do conjunto dos agricultores e assegurar a sua permanência na actividade.

Há duas maneiras para que isso possa acontecer:

- Uma primeira, através de investimentos, significativos e continuados, exclusivamente na modernização das unidades produtivas. É um caminho que teria resultados positivos no curto prazo, mas não duráveis e que, a médio prazo, se esgotaria por falta de sustentabilidade;

- Uma segunda, fazendo acompanhar esses investimentos por um grande esforço de aquisição e de transmissão de conhecimentos, articulando o ensino com a investigação e com a formação profissional, atribuindo meios, humanos e materiais, e prioridades bem definidas a estas três frentes, no âmbito de um projecto comum. Engenheiro Agrónomo (ISA)

*Infra-estruturas, equipamentos e pessoal qualificado, em resultado de condições financeiras disponíveis muito limitadas.

Nota final: Estava a escrever este texto quando soube, através da imprensa, que, por falta de financiamento público, poderia estar em causa a sobrevivência do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM) da Universidade de Évora. Parece que, no quadro de uma avaliação encomendada pela FCT, este instituto teria atingido, apenas, a classificação de bom e não de excelência. Fiquei de tal maneira desolado, que a única forma de terminar este texto, é dizendo que, Portugal poderia e deveria, de facto, desenvolver a sua agricultura mas, assim, é muito difícil acreditar que o consigamos fazer.

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