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Contrato social para a gestão do fogo

por papinto, em 27.02.14

HENRIQUE PEREIRA DOS SANTOS 

Se da retirada dos matos não resulta qualquer benefício para o dono do terreno, não se vê por que razão ele deverá ser obrigado a gastar dinheiro a controlar o processo natural de desenvolvimento da vegetação

Existe um consenso alargado no sentido da responsabilização dos proprietários pelo controlo de matos nos seus terrenos. Este consenso social é tão grande que a lei estabelece sanções para quem não livre os seus terrenos de matos em determinadas circunstâncias, como seja ao redor das casas e situações semelhantes.

Ora, eu estou fora deste consenso e julgo que este consenso representa um contrato social muito injusto. A questão de fundo é esta: controlar a vegetação de um terreno tem um custo.

Quando essa vegetação é controlada por uma actividade económica competitiva, como acontecia tradicionalmente, em que os matos eram matéria-prima para a agricultura (a fertilidade das terras agrícolas era mantida pelos estrumes de que os matos eram um elemento essencial e dominante) ou para a pastorícia, ou como acontece agora com a produção industrial de eucalipto, naturalmente os donos dos terrenos encarregam-se da limpeza das suas propriedades.

Mas se da retirada dos matos não resulta qualquer benefício para o dono do terreno, não se vê por que razão ele deverá ser obrigado a gastar dinheiro a controlar o processo natural de desenvolvimento da vegetação no seu terreno.

Eu sei que há quem argumente que se trata de garantir um benefício geral, o da gestão dos fogos. Vou esquecer-me de que falta base empírica a esse raciocínio (o padrão de fogo não tem mudado com alterações legais) e concentrar-me na discussão da justa repartição de custos e benefícios.

A quem prejudica a existência do actual padrão de fogos? Ao dono do terreno que está cheio de mato? Não, com certeza que não, arder ou não arder um terreno de mato tem um valor económico nulo, não há benefício nem prejuízo nesse fogo para o dono do terreno que tem mato.

Argumentar-se-á que o produtor florestal é prejudicado com o actual padrão de fogo e se há mais mato e menos produção florestal é por causa do risco de incêndio. Sim, em parte isto é verdade, mas cabe ao produtor avaliar se lhe compensa ou não limpar o mato: se os custos forem maiores que os proveitos, o produtor florestal não terá qualquer interesse em limpar o mato. E está no seu direito fazer essa opção.

Dir-se-á que os gestores de infra-estruturas eléctricas, de comunicação e outras são grandemente prejudicados pelos fogos. Sim, isso é verdade, por isso limpam os terrenos por baixo das linhas eléctricas. Não chega, claro, porque o fogo vem dos terrenos vizinhos. Mais uma vez o problema continua a ser do operador económico: ou compensa limpar os matos, e deve pagá-lo, ou não compensa e o operador de infra-estruturas deixará correr o marfim.

Mas e as casas, e as pessoas?

Aqui chegados vale a pena voltar a perguntar: de quem é o benefício da limpeza dos terrenos envolventes de uma casa? Do dono da casa, claro. Se assim é, por que razão é o vizinho que tem de pagar a limpeza?

É que o vizinho provavelmente já lá estava quando a casa para lá foi. E, em qualquer caso, o benefício é do dono da casa. E, na verdade, quando a estrutura de combate aos fogos é activada, o que vai fazer é proteger a casa e deixar arder o monte, tenha ele mato sem grande valor comercial, tenha ele produção florestal com valor.

Ora, se o benefício é do dono da casa, se a estrutura de combate aos fogos protege a casa, por que razão o custo da gestão dos matos é do dono do terreno? A pergunta é tão perturbante que nem mesmo eu sei se estou de acordo com a resposta lógica: quem se sentir ameaçado que pague a limpeza dos matos que o ameaçam.

O que consigo ver é que se deixarmos de responsabilizar os proprietários por uma acção ruinosa (assumir custos para limpar matos sem retorno nem razão própria para o fazer) e responsabilizarmos as autarquias que licenciam as construções, os donos das casas que se metem no meio dos povoamentos, os donos dos aviários no meio de pinhais e eucaliptais, o mais provável é que se introduza racionalidade na ocupação do solo, porque ninguém quererá fazer uma construção num sítio perigoso, se tiver de pagar a sua segurança.

Podia ser que assim o dispositivo de protecção da floresta se pudesse dedicar a proteger o valor económico das matas, quando existe, em vez de usar a protecção da floresta como desculpa para pôr os contribuintes a pagar as consequências de decisões estúpidas de ordenamento do território.

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ANA RUTE SILVA 

Especialistas estrangeiros do sector já não apontam o sol e o mar como o produto-chave do país.

 

 

 

31% dos inquiridos associam o vinho ao turismo nacionalENRIC VIVES-RUBIO

 

Nem sol, nem mar. O maior potencial turístico de Portugal e o produto que deve ser divulgado a nível internacional para vender o país como destino é o vinho. Num inquérito conduzido pelo IPDT, Instituto de Turismo, divulgado nesta sexta-feira, 37% dos operadores estrangeiros questionados dizem que este é o melhor argumento de promoção do país fora de portas, e 31% dizem mesmo que associa o vinho ao turismo nacional.

Em 2012, este produto só era relacionado a Portugal por apenas 7% dos inquiridos e, um ano antes, por 10%. Destronados, o sol e o mar captam, agora, o interesse de 17% dos especialistas (37% em 2012 e 45% em 2011).

António Jorge Costa, presidente do IPDT, explica que este resultado é o fruto de uma “qualificação do destino que os empresários do sector têm vindo a desenvolver, tal como os próprios decisores políticos”. “Não podemos esquecer que o sol e o mar continuam a captar a grande fatia dos turistas que nos visitam, mas são visitantes sazonais”, disse ao PÚBLICO, acrescentando que são precisos produtos complementares.

“Temos visto o sucesso que o Porto e Lisboa têm tido no segmento das viagenscity break [de curta duração]. Estas respostas também são o resultado de novas apostas e conceitos associados ao design e aos produtos gourmet”, sublinha.

As praias extensas e o bom tempo mantêm-se como âncora essencial para segurar turistas, mas as duas principais cidades do país passaram a estar no mapa dos grandes operadores. São o que António Jorge Costa chama “irmãos” do sol e mar.

Outro resultado que se destaca neste estudo, conduzido pelo IPDT junto de um painel de membros filiados na Organização Mundial de Turismo, é o peso que a história de Portugal pode ter na hora de promover o destino. Em 2013, 16% dos inquiridos disseram associar Portugal a “história”, valor que em 2012 era de 9% e de 5% em 2011.

O contexto de crise e o programa de ajuda financeira não são alheios a estes indicadores. “O facto de Portugal se estar a tornar mais dinâmico a nível internacional leva a que os turistas queiram saber mais sobre a história do país. Estamos a passar a crise sem grandes sobressaltos de paz social, apesar das dificuldades sentidas pelos portugueses. Cá dentro, é óbvio que não pensamos da mesma forma, mas quem está de fora compara com o que se passa na Grécia ou em Espanha”, analisa António Costa.

Talvez seja por isso que 75% dos especialistas afirmem que a crise financeira não afectou negativamente a imagem de Portugal (55% em 2012). O presidente do IPDT diz que há uma “conjuntura internacional que acredita” no país e na forma como está a ultrapassar a turbulência financeira. Artigos como o que o Financial Times publicou nesta segunda-feira, dizendo que Portugal era o herói surpresa da retoma na zona euro, ajudam a construir uma imagem positiva, apesar da austeridade. E isso, diz António Costa, acaba por ter impacto na decisão de um turista quando escolhe o próximo destino. “Não tenho dúvida de que esta conjuntura terá impacto ao nível da decisão de pessoas que, antes, nem tinham em conta Portugal como destino”, afirma, concluindo que no meio de uma “grande turbulência, há oportunidades”.

No inquérito conduzido durante o mês de Dezembro, 32% dos especialistas que já estiveram no país escolheram-no por ser “agradável e especial”. Cerca de 28% vieram pelas “cidades, história e cultura”. Questionados sobre a qualidade das campanhas promocionais nos mercados internacionais, 20% dão 8, numa escala de 1 a 10. Quanto à experiência de férias, 16% dá nota máxima (8% em 2012). Nenhum dos inquiridos dá uma classificação abaixo dos seis valores.

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CATARINA GOMES Público, 19/02/2014 - 13:25

Carlos Schwarz da Silva, Pepito, como era conhecido na Guiné-Bissau, viveu uma vida feita de recomeços.

 

 

Carlos Schwarz da Silva era conhecido por Pepito CORTESIA DO BLOGUE "LUÍS GRAÇA&COMPANHEIROS DA GUINÉ"

“Não existe pedra sobre pedra das nossas memórias: fotografias, filmes, livros, recordações de toda a vida, haviam desaparecido. Recomeçámos tudo mais uma vez, menos por convicção, mais por tradição (...) Desistir é perder e recomeçar é vencer”, assim escrevia num texto autobiográfico a que chamou A sombra do pau torto, o guineense Carlos Schwarz da Silva. O activista, chamemos-lhe assim, morreu esta terça-feira, em Lisboa, o funeral foi esta quarta-feira no cemitério de Barcarena (Sintra). Se fosse ele a escolher a designação para o que o seu amigo era, o cineasta guineense Flora Gomes, teria dificuldade: “Ele é outra coisa. Era um agrónomo, um nacionalista, um intelectual, um visionário”.

A casa de Carlos Schwarz da Silva foi apenas uma das habitações do bairro do Quelele, em Bissau, que foi pilhada e destruída durante o conflito que, em 1998, opôs as forças de Ansumane Mané às de Nino Vieira. Ali ficava, nessa altura, uma das frentes de combate. Tudo ficou esburacado, vazio, sem pessoas.

Hoje em dia, o Quelele não parece muito diferente de outros bairros de Bissau, não há estradas, o chão é de terra batida vermelha com buracos enormes, as casas têm um ar humilde e improvisado. Mas é. Num edifício discreto funciona a organização não-governamental Acção para o Desenvolvimento (AD), que Carlos Schwarz da Silva fundou, em 1991, com outros guineenses. Era o seu actual director executivo. Ali há sempre jovens, crianças e mulheres a circular.

A AD fez nascer, em 1994, a primeira rádio comunitária do país, depois dela abriram mais de dez. Foi aos microfones da  Rádio Voz Quelele que se explicou, durante a epidemia de cólera de 1994, que a doença se transmitia pela água contaminada, ali se ensinou, de forma simples, o que fazer para evitar o contágio, se respondeu às perguntas de uma população em pânico. Terá sido uma das razões por que este bairro passou quase incólume. Hoje também há uma televisão comunitária, uma escola de artes e ofícios, um centro de animação infantil, a lista podia continuar.

O cineasta guineense Flora Gomes nem tinha bem noção de que era esse o nome do seu amigo, Carlos Schwarz da Silva. Na Guiné-Bissau todos o conhecem por Pepito. É neto de polacos que sobreviveram ao gueto de Varsóvia, filho de um advogado cabo-verdiano que foi preso pela PIDE numa ida de férias a Portugal. Artur Augusto da Silva defendia em tribunal os nacionalistas da independência da Guiné.

Pepito nasceu em Bissau, em 1949, estudou Engenharia Agrónoma no Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, à semelhança do seu grande mentor, Amílcar Cabral. O antropólogo do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (em Lisboa) Eduardo Costa Dias conheceu-o nessa altura, por estarem ambos envolvidos no movimento estudantil de contestação à ditadura. Acredita que foi nesses tempos que o amigo desenvolveu o espírito do “desenrasca” que lhe havia de ser tão útil na sua nova vida na Guiné.

Quando se dá o 25 de Abril de 1974, Carlos da Silva e a mulher, a também agrónoma portuguesa Isabel Levy Ribeiro, fazem questão de estar em frente ao Quartel do Carmo. Um ano depois, quando na Guiné muitos regressam a Portugal, o casal está a chegar. Aproveitam a boleia do último avião militar português que se deslocava ao país. Vêm para ajudar a crescer a nova nação independente.

Pepito oferece os seus préstimos como quadro na área que domina, a agricultura. O que encontra diz que é o triste resultado da formação soviética que receberam muitos dos quadros do PAIGC, que lhes cortou a criatividade para lhes ensinar a passividade. Ele quer algo diferente. Funda o Departamento de Experimentação e Pesquisa Agrícola, uma espécie de ministério da agricultura, chama-lhe “o meu primeiro amor profissional”.

Na altura, quando explica aos agricultores que é possível cultivar arroz em época seca, sem chuva, mas com a irrigação a partir do rio Geba, olham-no de lado. No início, aderem ao seu desafio umas 12 famílias desconfiadas; ao verem os primeiros grãos a nascer, o tom das críticas baixa e o número dos que aderem ao cultivo sobe para 12 mil famílias, lembra o guineense num documentário sobre a sua vida, divulgado pela RTP2 em 2011.

Na juventude militou no Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), chegou a ser deputado mas desiludiu-se com o golpe de Estado de Nino Vieira contra o então presidente, Luís Cabral, em 1980, tinha ele 30 anos. “Cortei com os partidos.”Um dia, revoltado contra as arbitrariedades da administração, estava a conversar com “um velho Homem Grande” que o ouviu e lhe disse: “Criaste demasiadas expectativas em relação a quem era e sempre foi medíocre. Julgaste ver o que não existia. Não te esqueças que a sombra de um pau torto nunca pode ser uma linha direita.”

No centro da Acção para o Desenvolvimento está aquela que talvez possa ser considerada a sua filosofia de vida: “Não fazer lista das dificuldades, mas o contrário, do que existe, de como valorizar o que temos”. “Na Guiné há 32 etnias, cada uma com a sua maneira de pensar, de dançar, a sua perspectiva de vida”. Cada qual tenta encontrar as suas soluções para os problemas, diz no mesmo programa televisivo.

No Sul do país, a AD trabalha para desenvolver a autonomia alimentar das populações. No seu texto autobiográfico, lembra um agricultor que descobriu um processo de rega gota-­a-­gota, usando uma grande cabaça, por baixo da qual fez dois pequenos furos por onde escoava lenta e regularmente um fio de água que regava as suas bananeiras. “Tinha encontrado, sozinho, uma forma de economizar a pouca água de que dispunha. Cada um tem a capacidade, vai ganhando amor-próprio e confiança, num processo de conhecimento novo que ajuda a querer aprender”, resumia.

Ao mesmo tempo, desiludia-se com os “turistas do desenvolvimento” que aportavam à Guiné mas que, na sua opinião, foram perdendo “o espírito de solidariedade e cumplicidade com quem está no terreno”. Referia-se, e criticava-o no mesmo documentário, “ao mercado do desenvolvimento”, “das organizações do Norte” que se “posicionam para ganhar o projecto 1 ou 2, mas não lhes interessa o resultado atingido”.

“Não basta criticar, temos o dever e a capacidade de construir outra Guiné-Bissau, de respeito, de cultura, de história, e de pô-la em contraponto contra a meia dúzia de pessoas dos negócios fraudulentos, do tráfico de armas, de drogas”.

Era isso que fazia todos os dias. “Nós vamos mudar isto”, era o que Flora Gomes sentia cada vez que estava com Pepito. Para o cineasta, o amigo sentia-se herdeiro de Amílcar Cabral, tinha que ser o fazedor do muito do que o líder histórico tinha sonhado e tinha deixado por executar. Num encontro que Flora teve com Pepito, dois dias antes de vir para Portugal – onde tinha vindo ao 99º aniversário da mãe – o cineasta, disse-lhe: “‘Pepito, tu não estás bem’. Morreu trabalhando. Queria fazer muitas coisas ao mesmo tempo. De tanto trabalhar não se deu conta da fragilidade do ser humano.”

Longe vão os tempos em que o viu pela primeira vez, num hotel de Lisboa, em que, surpreendido, perguntou a um amigo: “Quem é este português que fala tão bem crioulo?”. Pensou que fosse português, apenas porque era branco. Estava enganado. “Estou certo de que quando estava a morrer em Portugal estava a pensar na Guiné.” Num texto que escreveu sobre o líder histórico do PAIGC, Pepito deixa uma dedicatória: “Às minhas netas Sara e Clara com a esperança de um dia poderem viver tranquilamente na terra adiada com que Cabral sonhou.”

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