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Público, 11.01.2009, Pedro Garcias
 

Henrique Pereira regressa à universidade num momento em que as populações do parque protestam contra a intenção de aumentar a área de interdição ao pastoreio


Henrique Pereira, o actual director do Departamento de Gestão das Áreas Classificadas do Norte (DGAC-Norte) e responsável directo pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), vai abandonar o cargo no próximo dia 18, para ir dirigir um laboratório de investigação em biodiversidade no Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências de Lisboa. Mas o dirigente não vai deixar saudades junto das populações e das autarquias da principal área protegida do país.
A adesão do PNPG ao Pan Parks, uma rede europeia de áreas protegidas de excelência (ver caixa), abriu uma "guerra" sem precedentes com as populações que ainda vivem do pastoreio na serra do Gerês. Uma das condições da adesão é o parque possuir uma zona selvagem (wilderness zone) com uma área de cerca de cinco mil hectares. A única zona com condições para cumprir esse requisito situa-se na zona alta da serra do Gerês, abrangendo terrenos dos concelhos de Terras de Bouro, Ponte da Barca e Montalegre.
Técnicos da Fundação Pan Parks estiveram no parque a estudar aquela zona e concluíram que a mesma possuía as condições necessárias desde que, em determinados locais, fosse proibido o pastoreio. Curiosamente, não foi colocada qualquer restrição à permanência nessa área dos garranos do Gerês, que aquela fundação considera tratar-se de uma espécie selvagem. Só que o garrano do Gerês de selvagem tem muito pouco, apesar de viver em permanência na serra, uma vez que todos os cavalos possuem dono, as suas crias são por vezes retiradas para lugares mais seguros e as manadas também chegam a mudar de sítio.

Aumentar a ZPT
Para conseguir a tal wilderness zone era necessário aumentar a Zona de Protecção Total (ZPT) existente, que é de 2750 hectares. O primeiro zonamento da ZPT que foi apresentado às populações, no âmbito da revisão do Plano de Ordenamento do PNPG em curso, implicava, por exemplo, aumentar a área de interdição ao pastoreio na freguesia de Campo do Gerês em seis vezes. Em Rio Caldo, o pastoreio acabava pura e simplesmente. E no baldio de Cabril, um dos mais pastoreados, a interdição também aumentava substancialmente.
De acordo com o Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB), a proposta que está agora em cima da mesa "inclui apenas uma área marginal actualmente a ser usada para pastoreio". Mas, mesmo assim, o entendimento com as populações parece difícil, pois estas não aceitam prescindir do direito à propriedade e aos usos e costumes que herdaram dos seus ancestrais e que estão reconhecidos legalmente.
António Afonso, presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro, diz que a determinação da autarquia é "defender os interesses das populações do parque e os seus direitos ancestrais", até porque, sustenta, "são as populações da montanha que têm preservado o ambiente". O autarca reclama uma "maior articulação entre o parque nacional e quem lá vive", criticando a "imposição de regras de cima para baixo" por parte de pessoas "que não têm conhecimento da realidade da montanha". Ainda assim, António Afonso vê como positiva a integração do PNPG na rede Pan Parks, mas desde que seja "compatível com a manutenção dos direitos das populações".

Refúgios de montanha
Esse também parece ser o desejo do ICNB. "O nosso objectivo é encontrar a melhor proposta possível que permita manter o PNPG no grupo restrito de parques europeus da rede Pan Parks, e, para isso, estamos a trabalhar para configurar uma área de protecção total compatível tanto com as actividades das pessoas como com os índices de protecção requeridos",disse ao PÚBLICO o gabinete do organismo presidido por Tito Rosa.
Esse compromisso, na opinião de
António Afonso, deve passar por "criar um regime de excepção para o gado bovino, à semelhança do que foi criado para os garranos do Gerês". Posição que merece, de resto, a concordância de alguns técnicos do PNPG, segundo os quais a pressão dos garranos sobre o ambiente pode até ser mais perniciosa, uma vez que nos bovinos é feita a rotação de pastagens - os animais abandonam a serra no Inverno e só regressam no Verão.
Sobre a alegada intenção de acabar com os refúgios de montanha existentes na serra do Gerês, o ICNB esclarece que isso "não está em causa", nem mesmo a sua utilização, acrescentando que o que está a ser debatido é "apenas a delimitação da área de protecção total, logo livre de pastoreio". A entrada em discussão pública do Plano de Ordenamento do PNPG estava prevista para este trimestre, mas é possível que, face aos protestos das populações e à saída de Henrique Pereira, venha a ser adiada.
O PÚBLICO tentou ouvir Henrique Pereira, mas este remeteu qualquer explicação para o ICNB.


O presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro atribui uma boa parte dos problemas existentes no Gerês às mudanças orgânicas realizadas no ICNB, que deixou o único parque nacional do país sem director, à semelhança do que aconteceu com os restantes parques naturais. Enquanto responsável pelas áreas protegidas do Norte, Henrique Pereira tinha sob a sua tutela o PNPG e os parques naturais de Montesinho, Alvão, Douro Internacional e Litoral de Esposende, nos quais deixou de existir qualquer função dirigente. Estas mudanças e a redução dos orçamentos para estas áreas protegidas levou Henrique Pereira a centralizar as suas preocupações na conservação da natureza, mas isso não impediu que tenha tomado algumas decisões controversas. A mais surpreendente foi ter abdicado de cerca de 250 mil euros para a compra de viaturas e intervenção contra incêndios. Os projectos já estavam aprovados pelo Ministério da Agricultura e não implicavam qualquer financiamento por parte do ICNB. Mesmo assim, Henrique Pereira abdicou de dois projectos no PNPG e um no Parque Natural do Alvão. Neste último caso, uma semana depois de o dirigente ter desistido do projecto, ocorreu um grande incêndio no parque. P.G.
 


A rede Pan Parks integra os parques nacionais de Rila e Central Balkan, na Bulgária, Borjomi-Kharagauli, na Geórgia, Bieszczady, na Polónia, Archipelago, na Turquia, Fulujallet, na Suécia, Majella, em Itália, Paanarjavi, na Rússia, Retezat, na Roménia, e Oulanka, na Finlândia. Uma das obrigações para obter a certificação Pan Parks é possuir uma área superior a 20 mil hectares e integrar uma zona sem qualquer intervenção humana (wildernerss zone) com uma área mínima de cinco mil hectares, que deve passar a 10 mil hectares dentro de uma década. A ideia do ICNB com esta adesão é associar ao único parque nacional uma chancela de prestígio que pode potenciar o ecoturismo no Gerês. P.G.

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