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Públioco 20110612  Francisco Castro Rego

O impacto dos incêndios florestais no ano de 2010 foi de novo particularmente destruidor nalgumas manchas florestais


Depois dos anos terríveis de 2003 e 2005 e de anos mais favoráveis a partir de 2006, o impacto dos incêndios florestais no ano de 2010 foi de novo particularmente destruidor nalgumas manchas florestais públicas, relevantes pela sua importância económica, social, paisagística ou ambiental, de muitos concelhos dos distritos do Norte e do Interior Centro do país. Em muitas destas áreas perdemos a capacidade da floresta se reconstituir naturalmente e a oportunidade de aproveitar as condições criadas pela falsa "pesada herança do pinhal bravo" para a sua reconversão por espécies mais interessantes do ponto de vista ambiental e de gestão do risco de incêndio.

Em 2010, foram já ultrapassadas grandes metas do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, destacando-se os 25 incêndios com mais de 1.000 ha cada, contra um objectivo de zero, muitos dos quais em áreas "geridas" pelo Estado. No entanto, a imagem que se pretendeu passar, no balanço da campanha de incêndios de 2010, foi de que a culpa foi da meteorologia, o que desde logo desresponsabiliza toda a sociedade e a conclusão foi que poderia ter sido ainda pior!

Continuamos focalizados sobre os números simples do custo absoluto ou sobre o número de meios disponíveis, sem nos preocuparmos com os verdadeiros resultados de eficiência. Seria de esperar que os acontecimentos de 2010 provocassem uma preocupação acrescida por parte da estrutura pública responsável simultaneamente pela prevenção estrutural contra incêndios florestais e pela gestão de parte significativa das nossas florestas públicas, a Autoridade Florestal Nacional.

No entanto, aquilo que tem vindo a acontecer consiste essencialmente no oposto. É alarmante a actual falta de orientação estratégica na Defesa da Floresta Contra Incêndios, parecendo existir uma enorme vontade de substituição de objectivos e iniciativas sustentadas a médio e longo prazo, baseadas no conhecimento, responsabilização e profissionalização, pelo empirismo e a publicitação de acções isoladas, num jogo de faz-de-conta que vai entretendo a opinião pública.

As posições tomadas consistem essencialmente na negação do processo evolutivo e participativo que vinha a ser implementado por uma estrutura da própria organização, a Direcção Nacional para a Defesa da Floresta (DF), desrespeitando alguns técnicos excelentes desta estrutura que, apesar de tudo, se têm mantido empenhados em tentar minimizar os estragos. Refira-se que muita desta evolução foi conseguida com a colaboração técnica e operacional do projecto europeu Fire Paradox (2006-2010), em que contribuíram especialistas e operacionais de vários países, de reconhecido mérito internacional.

Este processo de retrocesso na AFN, iniciado em 2010, teve já impactos muito negativos em várias iniciativas e actividades, nomeadamente:

- Pelo cancelamento do projecto do Grupo de Especialistas de Fogo Controlado (GEFoCo), cujo trabalho desenvolvido, entre 2007 e 2010, permitiu a aplicação desta técnica em cerca de 3.500 hectares, que contribuí- ram para a contenção de mais de 50 incêndios florestais nos últimos 3 anos, protegendo importantes manchas florestais públicas. Estas acções contribuíram ainda para colocar novamente Portugal como um dos países da Europa com maior e melhor utilização do fogo controlado para a Defesa da Floresta Contra Incêndios, de que são prova os inúmeros convites para apresentação da nossa experiência além-fronteiras.

- Pela tentativa de acabar com o Grupo de Análise e Uso do Fogo (GAUF), a única estrutura técnico-operacional dedicada exclusivamente à prevenção e ao combate a incêndios florestais, cujos requisitos de formação, capacitação, dedicação e independência serão considerados exagerados e desnecessários pelos actuais responsáveis máximos da AFN. Estas equipas colaboraram no combate, nos últimos 5 anos, a mais de 300 grandes incêndios, intervindo quando estes atingem grandes proporções ou ameaçam áreas florestais relevantes. Os mesmos dirigentes têm vindo a desenvolver um processo, pleno de episódios rocambolescos, para suprimir estas equipas ou para a substituição destes profissionais por qualquer figurante que queira vestir o equipamento.

- Pela tentativa de suspender a actual regulamentação sobre o uso do fogo técnico (uso do fogo na prevenção e no combate a incêndios florestais), uma das mais avançadas da Europa, que define as condições da formação e da utilização do fogo, através nomeadamente da responsabilização dos utilizadores. Esta questão é particularmente delicada num país em que muitos dos utilizadores ad hoc do fogo no combate (vulgo contra fogo) pretendem o anonimato de forma a nunca serem associados aos impactos negativos (e muitas vezes perigosos) da má utilização desta técnica poderosíssima mas extremamente exigente.

- Pela paragem do processo de enquadramento e facilitação da realização das queimadas para a pastorícia, em períodos de baixo risco de incêndio. O objectivo principal consistia na criação de condições para retirar ao máximo esta causa de incêndios do período crítico e cujos resultados frequentemente são negativos para os próprios causadores.

- Pela não-sequência às propostas feitas para implementação de um necessário Plano Nacional de Uso do Fogo.

E, para corolário deste retrocesso, em vez de se prosseguir o investimento em conhecimento, estratégia e antecipação, a AFN resolve transferir 2 milhões de euros do Fundo Florestal Permanente, destinados à prevenção, para a contratação de meios aéreos para o combate.

Esperemos, mais uma vez, que a meteorologia ajude, de forma a podermos ainda manter as poucas manchas florestais emblemáticas que restam no Centro e no Norte deste país, cuja vocação principal, segundo concluía um famoso economista num aprofundado estudo levado a cabo nos anos 80, era o sector florestal. Só não se entende como pode um sector tão promissor ser abandonado a uma tão grande falta de responsabilidade e de estratégia, que levou a que a entidade pública responsável máxima pelo sector florestal tivesse conhecido, entre 2009 e 2010, três presidências e duas secretarias de Estado e respectivos adjuntos. É mais que tempo de pedirmos responsabilidade e avaliação de impacto das decisões (ou da sua falta) aos nossos dirigentes máximos públicos.

Parece, infelizmente, que as lições aprendidas com os terríveis incêndios florestais de 2003 e 2005 (que percorreram 1/4 dos nossos espaços florestais) estão a ser agora esquecidas e que o esforço e investimento feitos na organização, no conhecimento e na utilização do fogo (na prevenção e no combate), que tão bons resultados proporcionaram, estejam agora a ser abandonados. Seria previdente e urgente encararmos esta realidade e agirmos racionalmente, com a consciência de que existem hoje condições de acumulação, continuidade e características de combustíveis que podem originar incêndios piores do que aqueles que o país conheceu em 2003.

Ainda estamos a tempo de corrigir o processo! Professor do Instituto Superior de Agronomia, ex-director-geral dos Recursos Florestais; coordenador do Grupo de Análise e Uso do Fogo da Autoridade Florestal Nacional

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