Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
MIGUEL ESTEVES CARDOSO Público 23/01/2015 - 05:01
Aqui na freguesia de Colares há alguns agricultores teimosos que continuam a trabalhar com variedades deliciosas mas desconhecidas de maçãs.
No PÚBLICO de terça-feira, Samuel Silva contou a história de Raul Rodrigues (R.R.), professor da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima.
Passou sete anos à procura de variedades minhotas de maçã e encontrou 62 maçãs diferentes. Só no Minho. Uma chama-se camoesa-do-biribau; outra três-ao-prato... e faltam mais 60.
R.R., com a modéstia de que só os heróis são capazes, sentia "a necessidade de preservar o património genético frutícola [que é] um legado importante dos nossos antepassados".
É o que está a fazer. Imagine-se o prazer de poder visitar um pomar de macieiras em Ponte de Lima onde se pudesse observar as árvores ao longo do ano e, quando a época deixasse, poder prová-las cruas, cozidas ou refeitas como sidras.
Aqui na freguesia de Colares há alguns agricultores teimosos que continuam a trabalhar com variedades deliciosas mas desconhecidas de maçãs. Deve ser assim por toda a província da Estremadura. É bem possível que seja assim em todas as regiões portuguesas.
Das 62 variedades descobertas e mantidas por R.R. aposto que pelo menos metade também se encontrava fora do Minho. Algumas, porventura, ainda se encontram.
É urgente ler a reportagem inteira para se perceber a inteligência e importância do trabalho de R.R. Ele usa o método biológico de produção, fazendo com que "a protecção contra pragas e doenças seja mais fácil do que na produção industrial". E quem diz maçã diz qualquer planta, flor, fruta ou semente que nos dá prazer e faz bem.
SAMUEL SILVA Público 20/01/2015 - 11:45 Raúl Rodrigues, professor da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, coleccionou mais de 60 variedades regionais deste fruto nos últimos anos. E quer usar esse trabalho para mostrar que é possível recuperar uma produção praticamente perdida. As variedades recolhidas são depois estudadas, a nível morfológico e fenológicos
Será que o leitor conhece os nomes Porta-da-Loja, Três-ao-Prato, Camoesa-do-Biribau ou Sangue-de-boi? São todos designações de maçãs e têm também em comum o facto de serem espécies que podem ser encontradas no Minho. Estas variedades fazem parte de uma colecção mantida por Raúl Rodrigues, que andou a percorrer a região nos últimos anos, de modo a resgatar um património que estava quase perdido. Este professor da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima (ESAPL) acredita que é possível recuperar a sua produção. Até meados do século passado, nos pomares do Minho – como, de resto, nos de todo o país – cresciam maçãs de várias cores e feitios, fruto de séculos de produção e cruzamentos. Mas, desde então, “a cultura da macieira tem vindo a decrescer e com tendência para o desaparecimento”, alerta Raúl Rodrigues. Hoje, restam apenas alguns pequenos pomares de variedades comerciais e, em menor escala, da maçã Porta-da-loja, uma variedade regional que tem conseguido manter um nível de procura que lhe permite resistir. As restantes variedades foram, gradualmente, deixando de ser produzidas, desaparecendo praticamente dos terrenos. O processo deve-se sobretudo aos Planos de Fomento Frutícola Nacionais, lançados durante o Estado Novo. “Foram introduzidas novas variedades, mais produtivas e com melhor aceitação pelo mercado”, admite este professor, doutorado em Ciências Agrárias. Os pomares nacionais começaram, então, a ser usados para a produção das variedades de maçã mais em voga e que eram muito apreciadas a nível internacional. Eram as maçãs Royal Gala, Golden ou Reineta, que são as que ainda hoje encontramos com mais frequências nos pomares comerciais e nos mercados nacionais. Ciente disto, Raúl Rodrigues foi atrás das espécies quase desaparecidas no Minho, num processo que começou há sete anos. Desde então, conseguiu levar para os terrenos do campo experimental da Quinta do Convento, em Ponte de Lima, exemplares de 62 variedades de maçãs da região. O professor sentia a “necessidade de preservar o património genético frutícola” local. “É um legado importante dos nossos antepassados”, justifica. Nos últimos anos, Raúl Rodrigues tem multiplicado as suas “missões de recolha”, percorrendo as zonas rurais do Minho em busca de macieiras ainda desconhecidas. A cada novo achado, é recolhido material vegetal que, depois, é enxertado na colecção. As variedades recolhidas são depois estudadas, sendo registados os seus parâmetros morfológicos (tipo de folhas, flores, frutos, hábitos de frutificação e vegetação) e fenológicos (que nos permitem conhecer a época de abrolhamento, floração e maturação dos frutos), bem como a aptidão de cada tipo de maçã. Entre as maçãs do Minho existem as que se prestam ao consumo em fresco, mas também ao fabrico de sidra, confeitaria ou compotas, por exemplo. O professor da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima afirma ainda que o desaparecimento progressivo das maçãs do Minho é também consequência do desconhecimento destas variedades regionais. De resto, algumas das maçãs que integram esta colecção não são familiares ao público em geral nem eram, até há bem pouco tempo, conhecidas da comunidade científica. A colecção mantida por Raúl Rodrigues tem sido utilizada para actividades de investigação e também para aulas de campo, que o docente realiza com os seus alunos, e como matéria-prima para teses de licenciatura e mestrado de estudantes do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, do qual faz parte a ESAPL. O professor quer agora pôr esse conhecimento ao serviço da economia da região. Culturas sustentáveis Todas as 62 variedades de maçãs que fazem parte desta colecção podem ser encontradas no Minho, embora algumas não sejam exclusivas da região. Em todo o caso são variedades perfeitamente adaptadas ao clima e solos minhotos, com uma herança genética que as torna particularmente resilientes a determinadas pragas e maleitas. Além disso, a colecção tem a particularidade de estar a ser implementada no modo de produção biológico. Assim, a protecção contra pragas e doenças torna-se mais fácil de obter do que na produção industrial, uma vez que são criadas condições naturais para que inimigos naturais das pragas se desenvolvam, fazendo com que o equilíbrio natural ocorra na maioria dos casos. Para Raúl Rodrigues estas características podem ser uma mais-valia, no sentido de fazer ressurgir a produção de algumas destas maçãs na região. O modelo agrícola hoje predominante “é insustentável”, diz. “É altamente penalizador para o ambiente e limitador do acesso aos mercados por parte dos pequenos agricultores”, denuncia. O professor da ESAPL tem, por isso, advogado a promoção de uma fruticultura sustentável, assente em variedades autóctones e adaptadas à região em que são produzidas: “É uma das principais saídas para a conservação da biodiversidade regional e com potencial para o desenvolvimento económico”. Património imaterial As variedades regionais “podem ser exploradas economicamente”, defende Raúl Rodrigues. Para isso, acredita ser necessário divulgar estas maçãs, junto dos consumidores. “Isto é um património”, sublinha. “Esse conceito não se resume à arte de fazer talha, moldar o granito ou o ferro forjado. Existe um património vegetal, sobre o qual se foi construindo património imaterial, como as tradições que lhe estão associadas”. De resto, o trabalho deste professor do ensino superior não se resume à recolha e preservação das variedades de maçãs. Em cada saída de campo, Raúl Rodrigues faz contactos com as populações, para saber mais sobre as variedades, tanto ao nível do comportamento agronómico como ao nível das tradições que envolve. Várias destas variedades têm associadas tradições rurais, algumas das quais ainda se mantêm. A mais famosa é, provavelmente, a da maçã Porta-da-loja que, no Baixo Minho – em especial na vasta área que, na Idade Média, era dominada pelo mosteiro de Tibães, em Braga – era comida na noite de consoada. A maçã era assada no borralho, ou no forno, e servida em malga, regada com vinho verde tinto e polvilhada com açúcar. Outra tradição associada a esta variedade (essa já perdida) consistia em oferecer maçãs ao pároco da freguesia, por altura da Páscoa. A Porta-da-loja é colhida no Outono, mas mantinha-se fresca até à Primavera. “É uma tradição que atesta a elevada capacidade de conservação desta variedade sem recurso a câmaras frigoríficas”, sublinha o professor da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima. O passo seguinte do trabalho de Raúl Rodrigues à volta das maçãs do Minho começa agora a ser dado. A ESAPL está a fazer a caracterização genético-molecular das variedades, recorrendo a marcadores moleculares. Este processo permite estudar o genoma de cada macieira e detectar as diferenças existentes ao nível do DNA. Além disso, os resultados destes testes vão traduzir-se num conhecimento mais rigoroso da genética das variedades e do nível de parentesco entre elas. Esta fase do estudo permite ainda fazer inferências sobre as relações entre o genótipo e o fenótipo das variedades, o que, em última análise, “permite aumentar a eficiência dos programas de melhoramento”, outro passo determinante para tornar mais atractiva a reintrodução da exploração comercial destas variedades, explica Raúl Rodrigues. Outros frutos Apesar das dificuldades com que se depara a iniciativa – a instalação e manutenção da colecção é dispendiosa e a falta de recursos, financeiros e humanos, é frequente, lamenta Raúl Rodrigues -, o professor da ESAPL já definiu a próxima fase desta missão auto-atribuída de resgate do património vegetal da região. O trabalho iniciado com as macieiras vai ser estendido a variedades regionais de outros frutos. Nos terrenos da Escola Superior Agrária, em Ponte de Lima, já existem cerca de uma dezena de exemplares de pêras, com destaque para a Pêra-de-Codorno, historicamente muito abundante na região de Basto. Também os citrinos vão merecer uma atenção especial, com recolha e caracterização de espécies como o Cidrão – uma espécie de limão de aparência mais tosca, usado para compota e bolos, que foi muito comum na região nos séculos XVII e XVIII – e como as laranjas de Amares e do Ermelo, no concelho de Arcos de Valdevez.
ARMANDO SEVINATE PINTO Público18/01/2015 - 12:26
O alargamento contínuo das áreas com autênticos mortórios de sobreiros e com povoamentos com crescentes sintomas de declínio interpela-nos a vários níveis, colocando-nos questões sérias e exigindo respostas rápidas e eficazes.
Tendo em conta a progressiva degradação da situação e a óbvia ausência de acções colectivas eficazes para a contrariar, a questão que se coloca é a de saber quanto tempo restará de vida aos sobreiros, a nossa árvore nacional.
Quanto às respostas eficazes, que até agora não aconteceram, o que me faz mais impressão é o imobilismo e a ausência de tentativas concretas de combate às doenças dos sobreiros que estejam à altura das circunstâncias.
Incomodam-me igualmente as reticências que me parecem existir na divulgação pública da situação concreta dos nossos montados e da sua vitalidade.
Uma vez que já tenho a certeza que pertenço à geração que irá ver desaparecer as palmeiras, perdida que me parece estar a guerra contra o escaravelho vermelho que as devora com uma rapidez impressionante, não gostaria mesmo nada de pertencer à geração que verá desaparecer os sobreiros.
Se isso vier a acontecer, as consequências serão bem mais graves do que as resultantes do desaparecimento das palmeiras.
A razão é simples: os povoamentos de sobreiros e os ecossistemas que lhes estão associados, são, sem sombra de dúvida, um dos mais importantes activos naturais que possuímos.
Importantes, pela riqueza que geram: somos o maior produtor mundial de cortiça, uma das mais polivalentes matérias-primas naturais conhecidas e exportamos anualmente mais de 800 milhões de euros de produtos transformados com valor acrescentado 100% nacional.
Importantes, pelos postos de trabalho directos que a sua conservação e exploração justificam e que ascendem a muitas dezenas de milhares, quer junto à produção, quer em cerca de 600 empresas de transformação.
Importantes, porque os povoamentos de sobreiros são os elementos centrais de um dos mais ricos, complexos, estáveis e multifuncionais ecossistemas das regiões mediterrânicas pobres, que constituem uma grande parte do nosso território.
Temos mais de 700 mil hectares ocupados com sobreiros, que fixam carbono, protegem e enriquecem os solos, modulam o clima e abrigam e alimentam ricos habitats de flora (140 espécies aromáticas, medicinais e melíferas) e fauna silvestre (a mais rica fauna da Europa, sobretudo de vertebrados de que se conhecem 55 espécies correntes), favorecendo a diversidade biológica. Contudo, se continuarmos como até aqui, abandonando programas de defesa da subericultura, como aconteceu em 2005, e mais inclinados em consagrar recursos à preservação de espécies com interesse relativo face à enorme importância dos sobreiros, o risco é grande de ainda em vida não conseguir assistir ao triunfo da investigação e da técnica sobre as doenças mortais mais importantes que, dia após dia, acentuam o declínio dos montados.
Sei que há relativamente pouco tempo, em Julho de 2014, foi subscrito por várias instituições um protocolo que formaliza a constituição do Centro de Competências do Sobreiro e da Cortiça, com quinze membros fundadores, entre os quais várias associações, universidades, além do Ministério da Agricultura e da Câmara Municipal de Coruche.
Não sei o que vai dar este protocolo, cujas boas intenções reconheço. Contudo, gostaria bastante mais de ver ser posto em prática um programa concreto, com recursos financeiros e humanos concretos e suficientes para desenvolver uma acção nacional em larga escala que procedesse à análise sistemática dos solos e do estado sanitário das árvores e que, sem limitações nem reticências pseudo-científicas, fosse acompanhado de uma rede alargada de experimentação sistemática de antídotos relativamente às principais causas de morte que fossem detectadas (por exemplo, a utilização de fungos antagonistas do género Trichoderma para combater a fhytophthora).
Incomoda-me pensar que não existam antídotos para o que está a acontecer.
Incomoda-me pensar que existem investigadores preparados e interessados, mas com limitadíssimas condições materiais para desenvolverem acções em larga escala.
De tempos a tempos, ouve-se falar de produtos e tratamentos que poderiam eventualmente revelar-se eficazes contra as doenças principais dos sobreiros, mas que não estão disponíveis para utilização, ou porque ninguém se interessa pela sua homologação ou porque os interessados se deparam com obstáculos que os conduzem à desistência.
Ouve-se falar de práticas agrícolas que potenciam as doenças, mas nada se sabe sobre o seu desencorajamento público. Se se cortar um sobreiro mesmo em estado de morbilidade adiantada, corre-se um sério risco de se ser objecto de uma coima de valor significativo.
Contudo, se não se cortar nada e se deixarem morrer centenas ou milhares á vista de todos, nada acontece, memo que os seus esqueletos fiquem no terreno a contaminar os sobreiros sãos na sua proximidade.
Alguma coisa terá de ser feita para alterar este estado de coisas. Será impensável continuarmos como até aqui, a fechar os olhos à realidade, como se nada estivesse a acontecer.
PS: Começaram recentemente a aparecer as novas regras a que devem obedecer os projectos de investimento agrícolas e agro-industriais que estarão em vigor até 2020 no quadro do Programa de Desenvolvimento Rural (o novo PRODER). O que se vai vendo, infelizmente, não é muito encorajador. Foi dada excessiva liberdade ao funcionamento do complicómetro que habita em cada um de nós e, neste caso, aos responsáveis pela concepção dessas regras. Está-se a regredir, sem explicação razoável, relativamente ao programa anterior e torna-se vital que os responsáveis tomem disso consciência o mais rapidamente possível e que se lembrem das consequências resultantes dos primeiros anos de funcionamento do PRODER e das suas regras absurdas que prejudicaram seriamente o seu funcionamento.