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Os investimentos e a agricultura

por papinto, em 20.07.14

ARMANDO SEVINATE PINTO Público 20/07/2014 Quando somos novos, muitas das nossas convicções são experimentais. À medida que envelhecemos e a vida nos vai dando novas informações e proporcionando novas experiências, algumas dessas convicções vão-se esfumando enquanto outras se fortalecem. Isso acontece em todas as dimensões da nossa condição humana, incluindo nas mais ligadas à nossa actividade profissional. No meu caso, não enumerarei as que deixei pelo caminho, ou as que acrescentei às da minha juventude, limito-me a mencionar uma que fortaleci ao longo do tempo, ligada à minha profissão de agrónomo (espero que tenha sido por sabedoria e não por casmurrice, o que também acontece com a idade). De facto, estou cada vez mais convencido que os dois pilares sobre os quais tem que assentar o desenvolvimento sustentável da nossa agricultura, são o conhecimento e o investimento produtivo. Sobre a importância do conhecimento revelarei noutra ocasião o meu pensamento. Hoje referir-me-ei apenas ao investimento e ao seu financiamento, ainda que de uma forma resumida, compatível com o espaço de que disponho. Malgrado os nossos fracos recursos naturais os agricultores portugueses estão hoje a concorrer directamente, em mercado aberto, quer na União Europeia, quer fora dela, por via da globalização, da qual não nos podemos escapar. Na disputa dos mercados, inclusivamente do nosso próprio mercado interno, as exigências são enormes. Exigências em novas técnicas, novos equipamentos e novos factores de produção, que não estão ao alcance de agricultores descapitalizados e sem condições de acesso aos investimentos produtivos, desde que para isso não tenham apoio público. Apesar dos nossos handicaps, naturais e estruturais, o que tem feito com que os nossos produtores e a agro-indústria se tenham aguentado nas últimas décadas sem desaparecer e até, em muitos casos, se tenham desenvolvido e prosperado, tem sido o apoio público aos investimentos, fortemente baseado nos apoios estruturais comunitários, dos quais temos vindo amplamente a beneficiar. Sem contar com o programa de apoio pré-adesão, nem com os programa estruturais de apoio até 1994, incluindo o PEDAP, que foram de uma grande importância para Portugal, teremos recebido nos últimos 20 anos mais de 7000 milhões de Euros da UE, a que se adicionaram cerca de 1660 milhões do orçamento nacional, tendo beneficiado 160000 projectos de investimento maioritariamente privados e também maioritariamente orientados para investimentos directamente produtivos, que terão potenciado mais de 14500 milhões de Euros de investimento agrícola, florestal e agro-industrial. É sobre o último programa, do último Quadro Comunitário de Apoio (2007/2013), a cuja componente agrícola, florestal e agro-industrial, foi dado o nome de PRODER, que quero fazer alguns comentários, sem querer fazer difíceis comparações sobre as performances alcançadas, valores e projectos financiados, que me parecem até ser inferiores a anteriores programas de apoio. Fruto da falta de visão e de experiência, associado a um comportamento deploravelmente autista de um ministro, cujo nome já esqueci, e da incapacidade de um grupo técnico que o assessorou, tendo por base conceitos teóricos sem adesão à realidade, foi concebido um programa de apoio à agricultura, não só profundamente atrasado no tempo, como completamente desadaptado às nossas necessidades. A consequência foi mais do que desastrosa e chegou a admitir-se que se iriam desperdiçar milhões de Euros de apoio europeu. Desde finais de 2005 – altura em que o mesmo responsável suspendeu as ajudas ao investimento do programa anterior, que deveria durar até 2007 - até finais de 2009 (quatro anos!!), por falta de enquadramento regulamentar, praticamente só investiram na agricultura os que gostam de arriscar e as grandes empresas, para as quais as ajudas públicas eram interessantes mas não indispensáveis. As vítimas foram os agricultores em geral, que passaram alguns dos anos mais negros das últimas décadas. Vítimas também foram os funcionários do Ministério da Agricultura que, sem culpa, fizeram o que puderam no âmbito de um programa e de um funcionamento que não tinha ponta por onde se lhe pegasse. Saneado o Ministro e exonerada a equipa dirigente da Autoridade de Gestão do PRODER, substituída em fins de Novembro de 2009, por gente competente e esforçada, alterados que foram os mecanismos e os procedimentos, incluindo a consideração pelos agricultores, que se tinha perdido durante anos, foi possível potenciar e acompanhar, com apoio financeiro, a dinâmica própria e muito positiva da agricultura, que muitos insistem em não ver, ou em fazer o possível por não ver. O PRODER, ainda que enfrentando um início desastroso, acabou por se reerguer e ser bem gerido pela nova equipa (toda a gente o reconhece) e bem acompanhado pelos pagamentos respectivos, a cargo do IFAP, cuja melhoria na sua regularização e previsibilidade, indispensável à boa gestão das explorações, também é notória. Entretanto, o PRODER, que ainda há poucos dias celebrava, com ênfase política, um período de transição sem hiatos para o novo Programa que se iniciará previsivelmente em finais deste ano, terminou abruptamente a recepção de projectos, invocando o facto de ter recebido um volume excessivo de candidaturas ao longo dos últimos meses (os projectos recebidos até à suspensão serão analisados segundo as ainda actuais regras, mas serão pagos com o dinheiro do próximo programa). O que se torna menos aceitável neste processo não é a suspensão propriamente dita mas sim o facto de, ainda há menos de um mês, se ouvirem auto-elogios pelo regime de transição que “pela primeira” vez iria acabar com os hiatos. De qualquer modo, desejando as maiores felicidades à nova Presidente da Autoridade de Gestão do novo “PRODER” – que terá outro nome, fazendo jus ao vício dos políticos continuarem a adorar mudar nomes – não posso deixar de felicitar todos quantos participaram, a todos os títulos, no programa que agora termina, pelo que fizeram e pelo generalizado aplauso que o seu trabalho suscitou.

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Os organismos geneticamente modificados (OGM) são ou não uma ameaça para a saúde humana? Um artigo que concluía que sim – e que fora retirado de publicação por falta de provas e falhas graves – acaba de ser republicado sem motivo, deixando-nos mais longe da resposta.

 

 

O artigo sobre os efeitos dos OGM fora retirado da publicação DR

 

 

Gilles-Éric Séralini, cientista da Universidade de Caen (França) e autor principal de um controverso artigo que, supostamente, associava o cancro ao consumo de organismos geneticamente modificados (OGM) – mais precisamente de cereais transgénicos –, não parece estar interessado em tratar seriamente do assunto. Está convencido de que tem razão – e disposto a adoptar uma posição nada científica para ter a última palavra.

A prova disso: a saga do artigo assinado por ele e a sua equipa, que foi publicado, em 2012, numa revista científica; retirado de publicação, em 2013, pela própria revista e devido a diversas falhas graves; e, apesar de tudo,tornado a publicar há dias, numa outra revista. Só que, desta vez, sem passar por qualquer crivo científico de avaliação – e sem qualquer novo resultado que venha agora demonstrar a justeza das conclusões iniciais dos seus autores.

Muitos leitores lembrar-se-ão das horrorosas imagens de ratos de laboratório com tumores subcutâneos do tamanho de bolas de pingue-pongue que correram mundo em Setembro de 2012. Segundo a equipa de Séralini, que publicaria os seus resultados no mês seguinte de Novembro na conceituada revista Food and Chemical Toxicology, do grupo Elsevier, o estado de saúde dos animais devia-se a terem sido alimentados com uma variedade de milho transgénico, produzido pelo gigante Monsanto e geneticamente manipulado para ser resistente a um herbicida (já agora, também comercializado pela Monsanto).

A maneira como os resultados foram divulgados junto dos media também sugere fortemente que, já naquela altura, os autores queriam minimizar as eventuais controvérsias em torno do seu trabalho. Acontece que os jornalistas só tinham acesso antecipado aos resultados, se tivessem previamente assinado um acordo de confidencialidade que os tornaria passíveis, caso mostrassem o artigo a outros cientistas para recolher a sua opinião, de terem de pagar uma elevada indemnização aos autores. Nem as revistas científicas mais estritas proíbem os jornalistas de solicitar opiniões independentes acerca de resultados prestes a serem publicados.

A experiência realizada por Séralini e colegas (franceses e italianos da Universidade Verona) consistira em distribuir 200 ratos por 20 grupos de 10 animais e em alimentá-los, durante toda a vida (dois anos), com diferentes dietas. Em particular, enquanto certos grupos comiam diferentes doses de um tipo de milho transgénico chamado NK603, outros comiam diversas doses desse milho transgénico e ao mesmo tempo bebiam água que continha diferentes quantidades do herbicida, chamado RoundUp, ao qual o milho transgénico em causa é resistente. E outros ainda comiam alimentos não transgénicos mas bebiam água contaminada com diversos teores de herbicida. Animais que não consumiam nem alimentos transgénicos, nem herbicida serviam de referência para testar os efeitos do OGM e do RoundUp.

Conclusão dos cientistas: os ratos dos grupos alimentados quer com milho transgénico (com ou sem água “temperada” com herbicida), quer com dietas não transgénicas (mas contaminadas pelo herbicida), apresentavam mais problemas de saúde – e em particular maiores taxas de cancro – do que os outros. Ou seja, o milho transgénico era, segundo eles, tão perigoso para a saúde como o próprio herbicida que era suposto neutralizar.

Os opositores dos OGM saudaram logo o estudo como sendo a prova de que tanto esperavam para banir estes perigosos produtos do mercado para sempre. Mas rapidamente numerosos cientistas começaram também a questionar, em particular junto da revista, a forma como os resultados tinham sido obtidos.

Publicação, retractação

Um ano mais tarde, em Novembro de 2013, a Food and Chemical Toxicologydava razão aos críticos e “despublicava” o artigo de Séralini (que continua, contudo, a estar acessível no site daquela revista, com a palavra “RETRACTED”, a vermelho, a barrar cada página do texto). A revista retirou o artigo depois de os autores se terem recusado a fazê-lo de motu proprio.

Os editores da revista escreveram então que não tinham detectado qualquer indício de fraude, mas sim falhas graves na metodologia utilizada pela equipa de Séralini. “Uma observação mais aprofundada dos dados revelou que, com o reduzido tamanho da amostra [de ratos], não é possível chegar a conclusões definitivas”, lia-se no editorial então publicado para explicar a decisão da revista.

A estirpe de ratos utilizada também levantava problemas, uma vez que é particularmente propensa a desenvolver tumores malignos após os 18 meses de vida. Portanto, não era possível excluir que a mortalidade elevada observada nos grupos de animais tratados não fosse devida à variabilidade fisiológica natural destes animais e não a um qualquer efeito da alimentação. Podemos, aliás, perguntar-nos por que é que a revista não detectara estes problemas, no fundo bastante evidentes, na altura da avaliação inicial. Mas essa seria outra história.

As falhas do estudo não se ficavam por aí: o próprio tratamento estatístico dos resultados levantava dúvidas. “Os toxicólogos costumam realizar um teste, dito do desvio-padrão, para determinar se as diferenças observadas neste tipo de dados seriam expectáveis com um fenómeno aleatório ou se podem ser consideradas significativas”, lê-se na revista New Scientist por ocasião da republicação do artigo de Séralini.

Ora, Séralini e colegas não apresentaram testes deste tipo no seu artigo, utilizando, pelo contrário, “uma análise complicada e não convencional” que Tom Sanders, especialista de nutrição do King’s College de Londres, citado por aquela revista semanal britânica, compara a “ir à pesca das estatísticas”.

Para mais, diz Sanders, não se percebe bem por que é que o herbicida e o milho transgénico teriam efeitos semelhantes, uma vez que o milho transgénico não contém ele próprio qualquer herbicida, mas apenas um gene que permite torná-lo resistente ao herbicida.

Mais precisamente, e como se pode ler no site do Centro de Avaliação dos Riscos Ambientais (cera-gmc.org), organismo internacional sem fins lucrativos que reúne políticos, cientistas e industriais, o herbicida RoundUp mata as plantas inactivando uma enzima que é vital para elas (mas que não existe nos animais). Quanto ao milho NK603, foi-lhe introduzido um gene, vindo de uma bactéria, que comanda o fabrico de uma variante dessa mesma enzima, mas que tem justamente a particularidade de não ser inactivada pelo herbicida. Portanto, as ervas daninhas podem ser erradicadas pelo RoundUp das culturas de milho NK603 sem afectar este milho transgénico.

OGM entre nós

Impõe-se um breve parêntese sobre a presença comercial dos OGM na Europa. Como se pode ler num recente dossier do diário Le Monde, o único milho transgénico produzido neste continente (e desde 1998) chama-se MON810. Esta variedade, também criada pela Monsanto e na qual também foi integrado um gene de bactéria, foi feita para ser venenosa para os insectos que se alimentam de milho – e em particular para combater uma importante praga, a broca-do-milho.

A produção europeia de milho MON810 é muito limitada e praticamente confinada a Portugal (9000 hectares em 2012) e Espanha (116 mil hectares em 2012). Mas isso não significa que os OGM não cheguem à nossa mesa. Hoje em dia, ainda segundo o diário francês, 51 tipos de OGM estão comercializados na Europa, vindo de grandes produtores como os EUA, o Brasil ou a Agentina. Aliás, nos EUA, por exemplo, em 2010, 70% de todo o milho cultivado era milho transgénico resistente aos herbicidas, tal como o NK603 posto em causa pela equipa de Séralini.

Esta situação faz dizer a defensores dos OGM que, em 20 anos de utilização, não tem havido efeitos adversos “substantivos” e que o risco de os OGM serem inaptos para consumo humano ou animal é muito baixo. Mas também põe em evidência o facto de, se se quiser saber qual o seu risco real, ser preciso fazerem-se estudos cientificamente sólidos. Ora, o estudo que a equipa de Séralini publicou em 2012 não pertence a esta categoria.

Nada de novo

Voltando aos resultados desses investigadores, outros especialistas contactados pela New Scientist salientam ainda que os resultados não mostram de todo, ao contrário do que é habitual, que a toxicidade de uma substância aumenta com a dose do tratamento aplicado. O efeito é o mesmo seja qual for a dose de milho transgénico ou de herbicida. “A única coisa que é possível concluir [deste estudo]”, remata Mark Tester, da Universidade de Adelaide (Austrália), “é que os ratos idosos desenvolvem tumores e morrem”.

Mas será que o artigo republicado há dias, desta vez na revista de livre acessoEnvironmental Sciences Europe (Eseu), do gigante editorial Springer, traz na realidade algo de novo? Só assim é que se poderia compreender que o veredicto da nova avaliação, antes da republicação, tenha sido o oposto do anterior. Ora, nada disso.

Segundo a revista Nature, que cita a Eseu, aquela revista decidiu republicar o artigo da equipa de Séralini simplesmente “para garantir o acesso a longo prazo aos dados”. E os seus responsáveis não realizaram qualquer avaliação científica do material… “porque isso já fora feito pela Food and Chemical Toxicology, que tinha concluído que não tinha havido fraude nem apresentação enganosa” por parte dos autores.

Resumindo: o artigo continua tão pejado de falhas como sempre – e a conclusão tão errada como quando foi publicado pela primeira vez. “Tanto quanto sei, ainda ninguém mostrou que o facto de alimentar esses ratos [com NK603] durante dois anos revele um risco que representa uma ameaça real para a saúde dos humanos e dos animais de criação”, diz Richard Goodman, editor de biotecnologia da Food and Chemical Toxicology, também citado pela Nature.

Ficamos portanto na mesma. Os OGM – e em particular este milho transgénico – até podem apresentar perigos para a saúde e o ambiente. Mas uma coisa é certa: não é com má ciência – pois tudo indica que é disso que se trata aqui – que as boas respostas poderão ser obtidas.
 

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